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Normalmente é com talento que se vão atingindo os nossos mais diversos desideratos. Para que isso se vá concretizando ao longo da nossa vida, é necessário que haja altos níveis de dedicação, espírito de sacrifício e muitas das vezes aquela pitadinha de sorte que tanto trabalho costuma implicar. Se nos quisermos debruçar sobre a questão do talento, existem múltiplas formas de o fazer, se pudermos ou quisermos, podemos sempre alegar a existência do mesmo até para justificar eventuais fracassos, mas não devemos nunca esquecer um pequeno detalhe que poderá fazer toda a diferença… até para se falhar, o talento poderá fazer diferença!

Notemos como falha, na maior parte das vezes, quem tendo consciência do talento que carrega dentro de si, busca o sucesso. Este tipo de pessoa tem a tendência para acumular múltiplos “fracassos” como forma de atingir o sucesso. Eu diria que o talento de olhar um fracasso e vê-lo como parte de um caminho positivo não está ao alcance de todos. Esta forma de abordar processos de desenvolvimento ou processos evolutivos é a base de tudo, é quase como a formulação de perguntas/hipóteses no método científico. Obviamente que existem também as outras etapas do método em causa, e só depois de experimentar, avaliar e concluir, poderemos “medir” o nível de sucesso atingido.

No meu caso pessoal, sempre gostei de desenvolver trabalho, fosse ele qual fosse, ao som de música. Não consigo elaborar qualquer tipo de tarefa sem ter a respetiva banda sonora adequada. Agora mesmo, estou a ouvir Anna Calvi e o seu albúm homónimo datado de 2011. Diria que esta prática faz parte do meu processo criativo/profissional (se é que existe algo com este nome e que inclua estes dois conceitos num só). Gosto, sempre gostei, de pensar que sou um “pragmático criativo” que tenta sempre incutir algo de novo na tarefa mais pragmática que necessita de concretizar. Tal facto leva-me, em algumas circunstâncias, para terrenos que nem sempre são os mais agradáveis, em que a dúvida e a sombria negação da capacidade, se tentam sobrepor às capacidades de ter talento. A música, neste particular, ajuda-me muito!

Em tempos, numa apresentação de um trabalho académico, na cadeira de Metodologia do Ensino da Língua Estrangeira, passei por um episódio que me marcou e do qual me lembro amiúde. No final da apresentação oral do trabalho a todos os colegas que estavam na plateia, a professora, cujo nome já não me recordo, questionou: “Algum de vocês teve dúvidas sobre a apresentação do vosso colega?” – a resposta foi negativa. Continuou perguntando: “Perceberam tudo o que o vosso colega vos transmitiu?” a resposta desta feita foi positiva! Foi neste preciso momento em que ela se virou para mim e me dirigiu as seguintes palavras que nunca mais esqueci: “Carlos (nome pelo qual os professores me tratavam), a forma como apresentou o trabalho, com falhas e erros de forma e substância, e o modo como foram brilhantemente esbatidas com um nível de assertividade no discurso fora do vulgar, fazem-me dizer o seguinte: Carlos, você (termo que não aprecio) tem a rara capacidade de enganar com talento! Use sempre essa capacidade para o lado bom, como fez hoje!”

Poderão alguns querer concluir que ando por aí a enganar meio mundo com este meu “talento”, mas o que é facto, é que o talento que descobri nesse dia foi o de assumir sempre os nossos pontos menos bons, o de assumir as nossas fraquezas, o de assumir, em muitas situações, a nossa ignorância, que por vezes é tão cómoda, o que descobri nesse dia é que o que não se partilha não se desenvolve, mesmo que seja algo do qual não tenhamos noção da sua real importância. Nesse dia, consciente ou inconscientemente, tornei-me muito diferente, passei a ver o que me rodeia de uma forma totalmente distinta, mais dúbia, com mais dúvidas, com uma névoa protetora que envolve os factos que nos assaltam a consciência; no fundo, passei a olhar o que me rodeia com um filtro de um pragmático que também gosta de criar…

Hoje, se quisermos, podemos encontrar facilmente muitos que optaram por abdicar da vertente criativa em prol do pragmatismo do resultado, encontramos isso em contexto nacional, mas também em contexto local. Naturalmente que a quantificação de um resultado é sempre mais simples de fazer do que a análise, dúbia e subjetiva, da qualidade artística de uma estátua (por exemplo). Exemplo disso tivemos no Porto com a estátua de Camilo Castelo Branco e alegadamente Ana Plácido. Em Cantanhede, temos casos como o do futuro (ainda não se sabe para quando) Museu do Colecionismo que depois de ter sido alvo de um investimento de monta, (cerca de 2 milhões de euros) continua de portas fechadas. Se eu quiser ser exclusivamente pragmático, direi que não é aceitável tal forma de tratar o erário público, se eu quiser introduzir a vertente mais criativa posso sempre questionar se este é o caminho que almejamos enquanto comunidade para o nosso território, se este é o caminho que queremos trilhar para que Cantanhede seja uma cidade e um concelho cada vez mais atrativos; No fundo, se aceitamos que a vertente não pragmática sobressaia no processo de decisão… Não sendo eu investigador ou estudioso destas matérias, devo assumir naturalmente que esta é a minha leitura individual e que pressupõe a aceitação da existência de outras com igual viabilidade para serem as corretas.

Termino voltando ao início, voltando à questão do talento, à questão do trabalho que a sorte dá e voltando à questão do papel, por vezes preponderante do talento no fracasso. Termino com uma frase cujo autor desconheço, mas que nos vai deixar mais um conceito sobre o qual tentarei escrever no futuro.

“Talento é acertar num alvo em que ninguém acerta. Genialidade é acertar num alvo que ninguém vê!”

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Um comentário a “Enganar com Talento”

  1. Avatar de José Santos

    Parabéns Sérgio, achei simplesmente fabuloso, tal como tu, também eu me questionei e questiono sempre sobre exposições, opiniões ou decisões que produzo, mesmo que o faça com a convicção de que estarão corretas. É claro que não estarão, porque haverá sempre alguém que discorde.

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