A Imigração e as Verdades Difíceis de Engolir

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Por vezes dou por mim em segundo plano, como se estivesse num bar sentado numa daquelas cadeiras que nos recordam um sofá, almofadadas e confortáveis. Neste bar, observo as pessoas e os seus comportamentos. Muitos parecem inseguros de si e das suas opiniões, outros pregam os seus ideais como se fossem leis: “Isto é conhecimento geral! No meu tempo isto não era assim!”. Os inseguros são sufocados por estas “crenças universais”, que eu descrevo como falaciosas e retrógradas, acabando por ceder e juntar-se à causa de limpar Portugal.

Ora, no bar existe um palco que por vezes é dominado por opiniões acerca da imigração. Penso que o mais controverso seja ver e ouvir a população imigrante a aproveitar-se e navegar a onda populista que inundou Portugal, a compactuar com este quadro polémico por se conformar com os estereótipos criados, sem tentar contrariá-los. 

Ao ouvir um imigrante afirmar que Portugal é muito seguro porque os portugueses aderem à crença de que a maior parte deles está cá para viver à custa do estado e que muitos agridem e roubam, parece-me que ele se sente seguro devido ao medo que os outros têm de si – um escudo controverso que me parece ser uma estratégia para evitar lidar com o que o medo realmente significa. 

Por outro lado, observando os desacatos sociais entre partidos e esta população, assim como a influência que têm no povo português, esta opinião pode soar paradoxal. Os portugueses não “comem e calam”, participam nestas manifestações e ignoram estudos que indicam que a criminalidade não subiu devido ao aumento de imigrantes no nosso país, por exemplo. 

No fundo, ambas as populações parecem agir perante duas emoções: medo e raiva – alimentadas pela incoerência política que paira no ar e que parece forçar-nos a escolher um lado nesta luta. A insegurança que menciono previamente é o motivo que contamina a nossa perceção e sensação de segurança. Afinal, se nos colocarmos perante a pirâmide de necessidades de Maslow, todos nós ambicionamos sentir-nos seguros para que consigamos evoluir enquanto seres humanos.

Se me perguntarem como me senti ao refletir sobre tudo isto, diria que triste pelo rumo desta geração, que supostamente é o futuro e que parece já estar a ruir. Penso que todos nós ambicionamos também a aceitação e a integração num grupo e na sociedade, fatores fundamentais para o aumento da qualidade de vida, para a sustentação e melhoria da saúde mental e para o desenvolvimento de competências sociais, como as soft skills, por exemplo. 

Segundo Casqueira (2006)1, Portugal passou de um país que emigra para um dos países de escolha para a imigração. Souza e Gonçalves (2015)2 acrescentam que os portugueses são abertos à multiculturalidade e à diversidade, o que favorece a integração da população imigrante. Existe uma maior adesão por parte dos PALOP, do Brasil e de países de Leste, como a Ucrânia (maioritariamente refugiados que fogem à guerra que decorre atualmente com a Rússia) ao nosso país. Contudo, é fulcral que todos nós enfrentemos o zeitgeist em que vivemos, aceitemos que muitos portugueses não são tolerantes como afirmam ser. Digo, aliás, que muitos, a partir do momento em que têm de defender o estatuto de aceitante/tolerante, deixam de o ser.

Porquê a pressão para tornar Portugal homogéneo? Teremos de ser um melting pot? Sendo Portugal um país também de emigrantes, não deveríamos ter em consideração os imigrantes? Ao chegar, eles esperam o mesmo que os portugueses ao emigrar, no entanto, acabam por se deparar com obstáculos laborais, entraves no Sistema Nacional de Saúde e, no pior dos casos, crimes de ódio.

Afinal, qual é a definição de imigrante? Pois bem, em geral, é um indivíduo que opta por migrar normalmente por razões económicas, educacionais ou laborais (Kameg, 2019)3. Falemos dos fatores de risco enfrentados por eles em Portugal. A sua adaptação no país de acolhimento inclui barreiras linguísticas, separação familiar, dificuldades administrativas devido à regularização dos documentos, dificuldades na procura de habitação, perda de estatuto social e insegurança laboral.

 Os imigrantes encontram-se em alto risco de desenvolver problemas de saúde mental, devido à precariedade ou escassez de recursos económicos, socioculturais e ecológicos (Ciobanu & Fokkema 20214; Elshahat & Moffat, 2022)5. Ao ler este parágrafo talvez se perguntem: “Mas os portugueses não enfrentam também estas dificuldades?”. É verdade que a vida em Portugal não está fácil para a população em geral, no entanto, devemos reconhecer as dificuldades acrescidas da integração da população imigrante. 

Estas experiências podem ser descritas como acontecimentos críticos ou até mesmo traumáticos da vida, podendo causar stress e perturbações na saúde mental no indivíduo (Runge et al., 2022)6. O stress pode ser definido como uma resposta fisiológica e psicológica a uma circunstância externa: confrontando-se com a situação, a pessoa apercebe-se de que não tem os recursos e estratégias para lidar com a mesma.

 O stress prolongado pode definir-se como negativo e tóxico para a saúde, podendo tornar-se crónico. É caracterizado pela sua imprevisibilidade, severidade e durabilidade, e muitas vezes dão origem a estratégias mal-adaptativas, como abuso de álcool, violência doméstica (David & Jaffe, 2021)7, entre outros. 

A exposição constante à violência, tanto em contexto pré-migratório como pós-migratório, é um fator de risco e um exemplo de stress, que está associado ao declínio da saúde física e mental dos imigrantes (Corley & Sabri, 2021)8. O stress aculturativo advém do processo de aculturação, que está relacionado com os comportamentos adaptativos associados à integração num novo ambiente, cultura, linguagem, etc. 

Outros estudos concluíram que quanto mais aculturados estão, por exemplo, os estudantes, mais elevados são os níveis de adaptação a uma nova cultura. Já os que experienciem níveis profundos de stress, tendem a desenvolver outros sintomas associados a futuros problemas, ao nível do foro psicológico, como a solidão (Luz & Thomas, 2023)9.

A inclusão social é uma questão de âmbito internacional com implicações nacionais, cuja gestão política é fundamental entre os desafios colocados pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da UNESCO (Carens, 2004)10. Esta questão foi reconhecida pelas Nações Unidas entre as suas prioridades para a Agenda 2030.  Especificamente, os objetivos dez e 16 abordam diretamente a inclusão social na ambição de reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles.  A incapacidade de garantir sociedades inclusivas é identificada como um fator causal da violência e da insegurança, que travam o desenvolvimento sustentável (UNESCO, 2022)11.

A tendência coletiva de criar e propagar estereótipos ocorre especialmente nos países coletivistas, como Portugal. Estes construtos sociais são criados e partilhados através da socialização, passando a ser quase como um padrão transgeracional e eventualmente tornam-se tão intrínsecos que são vistos como um instinto de sobrevivência ou um apelo à nossa própria segurança. Categorizar no contexto social permite-nos integrar automaticamente o indivíduo num grupo, seja pelo facto de ter as mesmas características físicas, a mesma cultura ou as mesmas crenças (Ribeiro, 2009)12

Os estereótipos podem ser úteis, no entanto, a sua generalização torna-se limitante e perigosa para os imigrantes. Surge uma negligência para com a racionalidade e a escolha da aceitação destes estereótipos culturais como se fossem factuais (Stangor, 2005)13. Rokeach (1961)14 defendia a ideia de que a discriminação é uma criação da sociedade, não uma impureza da mente humana, visto que foi originada pela perceção ou pressuposto de que os sistemas de crenças de outros são incoerentes, comparativamente com os nossos.

O facto de atualmente ainda se utilizar o conceito de raça reforça a estratificação da sociedade. Allport (1954)15 foi dos primeiros a tentar consciencializar a população acerca deste fenómeno, dado que, aparentemente, passou despercebido. A tendência de inculcar a família/amigos/colegas uma base de crenças de superioridade ou mesmo a ideia de que outras raças são inferiores, favorece o grupo em que nos inserimos. Porque é que isto acontece? Será uma necessidade básica do ser humano que contribui para o aumento do ego e da autoestima, para que se sinta autorrealizado?

Seguindo esta linha de pensamento, atrevo-me a dizer que numa sociedade em que a luta pelo maior ego prevalece, tentam-se criar medidas para diminuir a discriminação. Penso que seja importante referir que a discriminação positiva aparenta auxiliar a população imigrante, no entanto, acaba por realçar o estigma existente (Gaertner, et al., 1994)16

A ausência de práticas inclusivas, equilibradas e justas leva a que indivíduos que inicialmente apoiavam a integração dos imigrantes no nosso país resistam, mais tarde, à implementação destas medidas. Digamos que Portugal se está a deixar envolver pelo etnocentrismo, um favoritismo que rejeita a tolerância e diversidade cultural, isto é, de outras culturas que não sejam a portuguesa. Posto isto, já dizia Ribeiro (2009): Nestas circunstâncias, as condições estão criadas para retroalimentar o sistema num ciclo autoreforçante de etnocentrismo-poder-discriminação-conflito intergrupal.


  1. Casqueira, J. (2006). Immigration to Portugal. J. Immigr. Refug. Stud. 4, 3–18. https://10.1300/J500v04n04_02 ↩︎
  2. Sousa, C. & Gonçalves, G. (2015). Imigrantes e sociedade de acolhimento: percepções e realidades: no caso de Portugal. Psicologia & Sociedade, vol. 27, n. 3, 548-557. ↩︎
  3. Kameg, B. N. (2019). Management of mental health conditions in refugee youth: An overview for the psychiatric‐mental health nurse practitioner. Journal of Child & Adolescent Psychiatric Nursing, 32(4), 179–186. https://b-on.ual.pt:2238/10.1111/jcap.12253 ↩︎
  4. Ciobanu, R. O., & Fokkema, T. (2021). What protects older Romanians in Switzerland from loneliness? A life-course perspective. European Journal of Ageing, 18(3), 323–331. https://b-on.ual.pt:2238/10.1007/s10433-020-00579-2 ↩︎
  5. Elshahat, S., & Moffat, T. (2022). Mental Health Triggers and Protective Factors Among Arabic-Speaking Immigrants and Refugees in North America: A Scoping Review. Journal of Immigrant & Minority Health, 24(2), 489–505. https://b-on.ual.pt:2238/10.1007/s10903-021-01215-6 ↩︎
  6. Runge, R. A., Glaesmer, H., Schmitz, J., & Nesterko, Y. (2022). Mental Health in Children of Immigrants in Germany: The Role of Socio-Demographic and Immigration-Related Characteristics. Journal of Child and Family Studies, 31(1), 155–168. https://b-on.ual.pt:2238/10.1007/s10826-021-02141-9 ↩︎
  7. David, R., & Jaffe, P. (2021). Pre-Migration Trauma and Post-Migration Stress Associated with Immigrant Perpetrators of Domestic Homicide. Journal of Family Violence, 36(5), 551–561. https://b-on.ual.pt:2238/10.1007/s10896-021-00259-4 ↩︎
  8. Corley, A., & Sabri, B. (2021). Exploring African Immigrant Women’s Pre- and Post-Migration Exposures to Stress and Violence, Sources of Resilience, and Psychosocial Outcomes. Issues in Mental Health Nursing, 42(5), 484–494. https://b-on.ual.pt:2238/10.1080/01612840.2020.1814912 ↩︎
  9. Luz, H., & Thomas, J. (2023). Meaning making as a moderator in international students’ acculturative experience. Psychology in the Schools. https://b-on.ual.pt:2238/10.1002/pits.23014 ↩︎
  10. Carens, J. H., (2004). “La integración de los inmigrantes,” in Inmigración y Procesos de Cambio: Europa y el Mediterráneo en el Contexto Global. (eds.) G. Y. Aubarell, and R. Zapata, (Barcelona: Editorial Icaria), 393–420. ↩︎
  11. UNESCO (2022). Thematic Factsheet: Social Inclusion. Available at: https://en.unesco.org/culture-development/transversal-approaches/social-inclusion ↩︎
  12. Ribeiro, A. A. Q. (2009). Sistemas de discriminação positiva na Europa: facilitadores ou detratores da equidade? [Master’s Thesis], Instituto Universitário de Lisboa. http://hdl.handle.net/10071/1331 ↩︎
  13. Stangor, C. (2005). Stereotypes and prejudice: essential readings. Philadelphia, Taylor & Francis Group. ↩︎
  14. Rokeach, M. (1961). Belief versus race as determinants of social distance: comment on triandis paper, Journal of Abnormal and Social Psychology, Vol. 62(1), 187-188. ↩︎
  15. Allport, G. (1954): The nature of prejudice, in C. Stangor (eds.) (2005). Stereotypes and Prejudice: Essential Readings, Philadelphia, Taylor & Francis Group, 20-63. ↩︎
  16. Gaertner, S., Dovidio, J., Murrell, A., Dietz-Uhler, B. e Drout, C. (1994). Aversive racism and resistance to affirmative action: Perceptions of justice are not necessarily color blind, Basic and Applied Social Psychology, Vol. 14(1-2), 71-86. ↩︎

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