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10 anos. Uma década. 120 meses. 522 semanas. 3652 dias. 87660 horas. Foi durante este tempo que Dominique Pelicot continuamente abusou dos direitos humanos de uma mulher.

10 anos de abuso contínuo sem saber que era abusada. 10 anos de toques indesejados sem saber que estava a ser tocada. 10 anos com imagens e vídeos do seu corpo a ser abusado sem qualquer pudor ou vergonha.

Tudo orquestrado por um homem. Todo o abuso feito por homens. E a questão que o mundo coloca é se, durante essa década de abusos, ela não notou nada. Se não desconfiou, se não sentiu algo diferente. Mais uma vez, a sociedade arranja maneira de culpabilizar a vítima. Uma mulher é drogada e abusada durante anos pelo marido, por estranhos. É filmada sistematicamente durante esses atos violentos, e a questão que é feita é: “mas como é que você não se apercebeu de nada?”.

Não culpabilizamos o(s) agressor(es), não questionamos como foram capazes de cometer atos horríveis a um ser humano. Em vez disso, apontamos o dedo a quem sofreu o abuso.

Este é um caso em muitos. Casos em que mulheres são abusadas uma vez, duas vezes, centenas de vezes. Casos contínuos de abuso, de uma violação extrema dos direitos humanos. A Declaração dos Direitos Humanos (1948)1 inicia-se com “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Mas, por vezes, muitas vezes, as mulheres parecem seres de um mundo à parte. Não parecem merecedoras do mais básico dos direitos humanos, pois são continuamente assediadas, abusadas, violadas. São continuamente vistas como um objeto, e não um ser humano de carne e osso, com direitos e deveres, gostos e personalidades, com feitios, temperamentos e ambições.

Não é um mal que se restringe a Portugal. Não é um mal europeu. É um mal do mundo. Tive a oportunidade de conhecer várias mulheres, de várias partes do mundo. Culturas diferentes, hábitos diferentes, personalidades diferentes. E em todas encontrei um elo com as minhas próprias histórias: todas nós, de algum modo, temos histórias de assédio e/ou abuso. Histórias onde o agressor é sempre um homem.

E não vejam isto como um ataque aos homens. Porque, sim, nem todos os homens são assim.

Mas é sempre um homem.

E enquanto continuarmos a desculpabilizar esses atos, enquanto continuarmos a colocar paninhos quentes em cima de egos feridos porque “nem todos os homens são assim, eu não sou assim”, permaneceremos numa sociedade que olha para o lado e que participa passivamente no abuso contínuo de mulheres.

Por isso, sejamos feministas. Sejamos defensoras e defensores dos direitos humanos. Vamos apontar dedos a agressores, vamos culpabilizá-los pelos seus atos. Façamos algo para que um dia, em vez de dizermos “nem todos os homens”, possamos dizer “nenhum homem”.


  1. Assembleia Geral da ONU. (1948). “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (217 [III] A). Paris. Retirado de https://unric.org/pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/ ↩︎

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