As redes sociais, com os filtros, o estímulo constante, e o ‘scrolling’ de três horas, vieram piorar a forma como nós nos vemos a nós mesmos, e como vemos os outros, causando uma certa irritabilidade e descontentamento com a própria vida, devido às caras todas iguais e aos padrões de beleza pouco naturais.
Embora eu deteste o discurso do coitadinho, e pondo as referências bibliográficas de lado, vou falar diretamente do coração. Da forma mais crua possível, permitam-me a pergunta: até onde é que eu me posso orgulhar do meu corpo, para que a sociedade não desvalorize a minha personalidade? E não, não precisam de me explicar que há muita obscenidade/promiscuidade em certas fotografias nas redes sociais, assim como alguns traços narcisistas.
Não estou a falar para quem lucra com a imagem, mas sim para a comum mortal, no dia a dia, nas redes sociais, onde quer que seja. É hipócrita a forma como lidamos com o corpo da mulher: se tem é porque tem; se não tem, devia ter. Não é só um género a julgar outro, somos todos, ou a olhar para um ecrã, ou na rua.
Fazendo parte da população feminina, sinto que é um ritual de passagem para jovem adulta encontrar algo no corpo que se quer tapar, ou mudar, ou tentar ao máximo que ninguém repare. Se por acaso conseguimos escapar ou minimizar os danos dessa forma de pensar, automaticamente estamos a compactuar com uma sexualização constante ou queremos atenção nesse sentido. Friso: há fotografias e fotografias, há roupas e roupas, e há formas e formas de estar.
De certo modo, há uma ideia generalizada de que, para sermos levadas a sério, o nosso corpo deve ser obsoleto. Devemos cuidar dele, mas também não gostar assim tanto dele, porque isso quer dizer que não temos espaço mental para uma personalidade? Parece que o físico e o psíquico têm de se anular um ao outro. Se o físico é desejável, ofusca completamente a parte humana da mulher, passando de pessoa para um nível, que alguém pode alcançar ou não, que depois de alcançado perde todo o valor. No fundo, se por acaso a mulher pertence a um determinado padrão físico, é mais facilmente desejada do que amada.
Com isto, não me tomem por ingénua, não concordo com a perda de decoro e da modéstia, não acho que o segredo é expor, porque todos sabemos quem lucra com isso no fim de contas: ‘plot twist’ – não é a mulher sexualizada. Atualmente, para cada extremo somos presenteados com outro, e o que acontece é que muitas mulheres foram condicionadas a pensar que a melhor forma de se mostrar livres é precisamente mostrar.
Lutar contra a sexualização e objetificação de forma rebelde, expondo-se ainda mais, não só é perigoso, como completamente insensato, e só vai facilitar o trabalho a quem enriquece com a própria desvalorização e redução da mulher a um corpo-objeto.
Pintura de capa por Sandro Botticelli
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