Um dos temas mais atuais, embora não seja recente, é a questão do género e o que este representa na sociedade contemporânea. É importante falar regularmente sobre este assunto e trazê-lo à luz, uma vez que, pela sua sensibilidade, muitas pessoas não o compreendem e a sua integração no espaço público permitirá uma posterior e mais ampla consciencialização. Neste artigo pretendo centrar-me no conceito de género, relacionando-o com o campo da moda, cuja conjunção irá funcionar como um meio de expansão e aceitação social do tema.
Se a moda foi inicialmente um campo que criou distinções de género, separando o vestuário feminino do masculino, esta possui também o poder de subverter preconceitos e ideias erradas sobre o que é feminino e o que é masculino, bem como desconstruir a fixada ideia da categorização de género. Para melhor compreender o assunto, é importante apresentar e analisar as diferenças entre sexo e género. O sexo é uma caraterística biológica e fisiológica atribuída à nascença com base em factos puramente biológicos, como os cromossomas sexuais, os órgãos reprodutores, e as hormonas produzidas. O género é uma construção social e cultural, com a qual indivíduos se identificam de múltiplas formas, podendo ser, portanto, variado e fluído. Reconhecer e compreender esta distinção e este tema é fundamental para entender a diversidade da experiência humana e promover o respeito por todas as identidades de género, assim como as escolhas pessoais de cada indivíduo.
Ao explorar a interface entre género e moda, é viável abordar a forma como a indústria da moda desempenha um papel decisivo no entendimento e aceitação do género como algo fluído e indefinido. Como referido previamente, é possível observar, a nível histórico, como a moda se destaca na aceção dualista de género por impor determinados padrões, contribuindo para a segregação e discriminação visíveis na sociedade. No entanto, houve progressos nos últimos anos, com inúmeros ‘designers’ e marcas a desafiarem as normas tradicionais de género e a promoverem a inclusão e a diversidade. É o caso de Yves Saint Laurent, quando criou o primeiro conjunto de fato com ‘blazer’ e calças para mulher, em 1966, sendo que estes elementos de vestuário se encontravam exclusivamente reservados ao sexo masculino. Foi uma inovação de grande importância para a época e para a crescente relevância da temática de género. Depois do primeiro passo desta grande marca, seguiram-se-lhe outros ‘designers’ criadores de coleções e elementos de vestuário que revolucionaram a perceção de género. Em 1985, Jean Paul Gaultier ganhou destaque ao introduzir fatos com saia para homens, desafiando as normas sociais com os seus ‘designs’ ousados. Gaultier acreditava que: “A masculinidade não está ligada às roupas que se usa — está na mente”[1]. As abordagens destes ‘designers’ estavam longe de serem subtis, confrontavam ativamente os estereótipos de género, com o objetivo de desmantelar barreiras.
Entramos no campo da ascensão da moda sem género, que procura eliminar a distinção binária entre roupa de homem e de mulher. Este conceito inovador não se centra na feminização dos homens ou na masculinização das mulheres, mas sim na atenuação e, eventualmente, na eliminação da distinção estreita entre moda masculina e feminina. Este movimento em direção a uma moda fluida em termos de género é evidente em todo o espectro da moda, desde as ‘passerelles’, como proferido anteriormente, até à venda ‘mainstream’ de certos artigos, como peças ‘oversized’ ou com determinado corte e confeção neutra, que possibilita o favorecimento de diversos tipos de corpos e identidades de género. Esta conduta, que visa a inclusão, indica que a indústria da moda está lentamente a afastar-se dos papéis tradicionais de género.
Penso que é necessário e fundamental continuar este percurso, erradicar as distinções e começar a apresentar mais do que aquilo que atualmente se encontra a ser realizado. A criação de coleções e elementos de vestuário ‘genderless’, de maneira esporádica, não basta, uma vez que estas coleções unissexo tendem a ser criadas, na minha opinião, mais como uma estratégia de ‘marketing’, para causar choque e impacto na passarela. Depois, nas lojas, quando se trata da roupa que realmente é usada no quotidiano pelo público geral, é raro vermos peças e coleções unissexo, e é ainda observável uma clara distinção entre a venda de roupa para homem e para mulher. Não é estritamente necessário apresentar novas peças ou coleções, mas sim perceber como é possível mudar o sistema usando o que já existe, através do desenvolvimento de campanhas e elementos visuais, englobando até a modificação do ‘display’ das lojas, de modo a que não haja tanta distinção entre géneros, por forma a que estas alterações apelem e provoquem o sentimento e discurso de inclusão e aceitação.
É certo que estes avanços na moda são fundamentais para uma maior aceitação do género fluido, mas ainda há muitos fatores e medidas que precisam de ser colocadas em prática, ainda além das que foram sugeridas previamente. Contudo, é importante notar que o facto desta temática ser relevante e cada vez mais aceite na nossa sociedade, em especial, pela geração Z, mostra que é eventualmente possível um futuro onde exista uma moda sem género, produto de uma sociedade empenhada em libertar-se, onde cada ser humano se poderá expressar livremente, de acordo com as suas preferências pessoais e sem categorizações. A moda é uma forma de expressão individual e cultural, e serve como um meio influenciador com grande potencial para modificar e moldar a sociedade. É por esta razão que é essencial continuar a aumentar a discussão e a consciencialização sobre esta questão através da educação e do diálogo, bem como continuar a promover uma cultura de aceitação e respeito mútuo, onde cada ser humano possa ter liberdade de expressão, sem medo de discriminação ou preconceito.
[1] Quinn, Georgia. (2015, April 19). Jean Paul Gaultier and the Male Skirt. Farceshun. https://farceshun.wordpress.com/2015/04/19/jean-paul-gaultier-and-the-male-skirt/
Imagem de capa por Libération, editeur
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