Quantas vezes vemos crianças genuinamente empolgadas com certo assunto, atividade ou brincadeira, mas, infelizmente, muitas vezes, um adulto faz comentários como: “Porquê que não começa a ter aulas de ‘ballet’? Futebol é coisa de menino”. Inicialmente, na cabeça da criança, isso não faz sentido, e é apenas o comentário de um adulto. No entanto, com o passar do tempo, e por sempre ouvir coisas do gênero, a criança acaba reprimida por uma sociedade frustrada e deixa de fazer aquilo que, de facto, gosta.
As crianças são muito autênticas quando ainda pequenas, mas, ao serem podadas, têm essa característica refreada, e essa essência corre um grande risco de se perder na vida adulta. É muito difícil uma criança ter a perceção de ser necessário colocar limites quando um adulto define que aquilo não é conveniente para si por pura ignorância. Por este motivo, a autenticidade e o autoconhecimento andam de mãos dadas quando já se tem maturidade, para não correr o risco de tornar-se um adulto de autoestima partida.
Ao contrário da infância, a adolescência é a fase em que se torna comum perder, por variadas razões, toda aquela autenticidade que antes existia ainda em criança. O adolescente pode passar a ter um comportamento forçado e pouco natural, muitas vezes, devido ao desejo de pertencer a um grupo – o que é normal que aconteça assim que aquele indivíduo passa pela transição da terceira infância para a adolescência, iniciando o processo de convivência social para além da convivência familiar.
É importante a atenção do adulto responsável, pois é nessa fase em que se criam valores, e os adolescentes procuram seguir uma referência sobre como se vestir, comportar, divertir e agir. E, por não haver espontaneidade nestes comportamentos todos, podem existir, com muita frequência, conflitos com adultos e dificuldade de comunicação entre as gerações.
Este comportamento não se restringe somente a adolescentes. Um adulto que não se prioriza e não acredita em si acaba por procurar uma infinidade de formas de se encaixar em padrões sociais e torna-se apenas mais um no meio da multidão. Esquece-se da pessoa que mais importa na sua vida: ela mesma.
A ausência de autenticidade interfere diretamente nas nossas relações interpessoais, verificando-se uma preferência cómoda em errar connosco próprios, de tanto querermos acertar com o outro. Esta atitude causa feridas profundas e abala a nossa autoestima, sem nem percebermos. É preciso ultrapassar esta necessidade de se esconder numa caixa que não lhe cabe para agradar o outro, ou de pertencer a algo que vai contra a sua crença. Superar esta carência é libertador e leva cada um de nós a caminhar por uma estrada rumo à nossa verdadeira identidade.
Também é muito comum que, nesta caminhada, as pessoas confundam autenticidade com dizer tudo aquilo que pensam, sem levar os outros em consideração. Ser autêntico, porém, vai muito além disto. Significa conseguir ser coerente em relação aos seus valores, desejos e crenças.
É interessante destacar ainda que este processo de saber alimentar e deixar transparecer a autenticidade dentro de nós, por vezes, pode levar ao afastamento de algumas pessoas das nossas vidas. Muitos não sabem lidar com esta evolução de um comportamento passivo para uma postura interventiva. Esta mudança requer, portanto, que busquemos o equilíbrio e o aprimoramento da forma de expressarmos o que passa no nosso íntimo e que fiquemos atentos para enfrentar novos desafios no campo inter-relacional.
Neste ponto, voltamos ao autoconhecimento – diretamente ligado à autenticidade. É por meio dele que criamos os nossos limites, passamos a saber lidar com o nosso comportamento e podemos desenvolver, de forma saudável, relações sociais. O autoconhecimento impulsiona a autenticidade para colocar-nos no topo da nossa própria validação, desvinculados da necessidade de aprovação do outro em todos os aspetos da nossa vida. Isto faz-nos refletir se, em vez de uma vida adulta em que é sempre necessário estar a usar uma máscara que nos tira a autenticidade, autoestima e autonomia, não seria mais libertador dar ouvidos àquela nossa criança que se sentia melhor e mais feliz ao não ir às aulas de ‘ballet’ e continuar a jogar futebol.
Ana Ghelardi
Pintura de capa por Élisabeth Vigée Le Brun
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