A ciência morreu? Sim, já há algum tempo, mas agora encontramos o corpo

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Nas últimas semanas, temos assistido à publicação de vários artigos científicos, onde se podem ler, no meio do manuscrito, comandos e preâmbulos de respostas de chatbot que, por algum motivo, os autores esqueceram-se de apagar. As primeiras reações colocaram o foco nos chatbots, e na necessidade impreterível de controlo destas ferramentas em ambiente académico. Contudo, os cientistas mais conscienciosos levantaram a pergunta mais importante: onde estavam os vários revisores, que deveriam ter lido e escrutinado os artigos, e os editores que aprovaram a publicação? Quando falamos de revisão cega (‘blind’), esta é relativa aos nomes dos autores e não aos erros dos artigos, o que parece ter acontecido nestes casos.

Na sequência, vários académicos respeitados proclamaram a morte da ciência. Não obstante, a ciência já está morta há algum tempo, mas agora encontramos o corpo. Estes episódios não fizeram mais do que deixar a nu a inexistência de uma revisão séria e rigorosa dos artigos científicos. Vivemos, há alguns anos, sob um paradigma em que tudo se publica, onde se fecham os olhos a crassos erros metodológicos e conceptuais, e onde editoras predatórias enchem os cofres à boleia de uma estonteante necessidade de produção a todo o custo – ‘publish or perish’. Como diz um colega, os artigos já não são feitos para serem lidos, são feitos para serem contados. De facto, abandonamos o paradigma da qualidade, do impacto científico, do controlo metodológico, do rigor conceptual, das replicações para assegurar resultados reprodutíveis, e passamos a abraçar o paradigma da quantidade, do artigo leve, da ‘fast science’, do número, pois é este número que financia novos estudos, que dão estabilidade na carreira e mantêm a comida na mesa.

Este movimento obrigou, por exemplo, a que as secções de discussão dos artigos passassem a ser cemitérios de erros metodológicos e conceptuais que, após enterrados nas limitações, deixariam de assombrar a publicação. O mau estudo, aquele que estava mal construído, podia agora ver a luz do dia, bastava, para isso, assumir a debilidade da sua construção nas limitações ou podia simplesmente pagar uma das avultadas taxas de publicação de uma qualquer editora. Os artigos científicos e pseudocientíficos passaram assim a figurar lado a lado nas pesquisas das bases de dados científicas, e os negacionistas da ciência passaram a ter artigos científicos como base dos seus argumentos. Só uma grande reformulação, com revisões sérias, quiçá com revisões pagas, e a obrigatoriedade de os revisores replicarem os resultados nos seus próprios laboratórios, pode fazer com que a ciência ressuscite ao terceiro dia, caso contrário… Paz à sua alma.

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