2024, 50 anos do 25 de abril. Que revolução iniciamos nós hoje?

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2024, ano de comemorar os 50 anos do 25 de abril, mas podemos e devemos também celebrar os 60 anos da maior crise académica no decurso do Estado Novo, que marca a rotura incontornável entre a Universidade portuguesa e o regime de Salazar. A 24 de março de 1962, as comemorações do Dia do Estudante são proibidas, contando com a ocupação da polícia na Cidade Universitária, em Lisboa. O Presidente Jorge Sampaio, um dos dirigentes associativos da altura, referiu: “O 25 de abril começou a 24 de março”. E em 2024, que revolução iniciamos nós? Não vivemos uma ditadura, é certo, mas certamente que a democracia não nos é garantida. Basta pensarmos nas guerras que travamos, nos regimes autoritários e totalitários que ganham força, em todo o mundo, e na desinformação patente.

O 25 de abril e o caminho construído, até então, permitiu a massificação do ensino superior, o que desempenha um papel democrático, contudo, massificação não equivale a democratização. Sabemos que há desigualdades no acesso. Sabemos dos entraves à entrada ou permanência no ensino superior. Novos tempos, novas lutas, novas respostas necessárias. A comunidade estudantil depara-se agora com um cenário muito pouco romântico – um quadro de instabilidade política, eleições legislativas e europeias, crises sem fim; um roteiro em que há colegas que não têm como pagar propinas, que não conseguem encontrar casa a um preço acessível (e a habitação é tema fraturante) e que precisam de ajuda para alimentação, para uma vida digna, na verdade; há colegas que sorriem, mas cujo sorriso esconde profunda tristeza e/ou ansiedade.

Ao longo de décadas, vivemos uma realidade em que ter um diploma de ensino superior era a garantia de uma vida estável e um selo de validação social. Já não acontece. Hoje há um desaproveitamento do potencial da geração mais qualificada, não há retenção de talento e são muitos os colegas que voam à procura de melhores condições. Hoje vivemos o paradoxo da pressão para a transformação digital, e modelos de ensino que são praticamente inalterados há décadas. E sabemos que não é só o pós. O caminho escolar não nos permite ainda a equidade para o futuro.

Não desanimem, eu acredito que os estudantes podem desempenhar um papel central na modificação desta narrativa. A proibição do Dia do Estudante, celebrado a 24 de março, levou a que a contestação estudantil assumisse novas formas de protesto: manifestações, greves às aulas, greves de fome, confrontos com a polícia, entre outras. Hoje em dia, acredito genuinamente que a comunidade estudantil não precisa de manifestações, mas continua a precisar de se fazer ouvir. Acredito que com assertividade, responsabilidade, relação, e demonstrando o potencial da sua voz, isso seja possível. E não basta ouvi-los, é necessária a participação nos lugares de decisão. Daí a importância da presença da força estudantil nos órgãos de gestão das faculdades e universidades, uma presença representativa que deve fazer jus ao maior grupo representado nestas. Uma presença que levanta problemas, mas que, de forma construtiva, faz também parte da solução, se não o grito acaba por ser oco.

Para mim ser estudante de ensino superior é dicionário repleto de significados. É borga, é. É convívio, é. É experimentar coisas novas, com certeza. Mas é carregar a responsabilidade de saber que somos a geração do futuro. Saber que com a educação podemos mudar o mundo e chamem-lhe uma utopia, já tive várias provas de que é verdade. É ser agente ativa de mudança, é ser cidadã ativa. É curiosidade, questionar, refletir, é ser disruptiva, é inquietação.

E ser dirigente associativo? Em 1962, aqueles que tiveram a audácia de se unir ao movimento estudantil acabaram detidos, perseguidos, expulsos das suas faculdades, por vezes impedidos de voltar a ingressar no ensino superior. Hoje em dia não é assim, ainda bem. Mas continua a estar presente o espírito de sacrifício do dirigente associativo, daquele que está realmente envolvido. Sem dirigentes não haveria associações de estudantes e a democracia ficaria certamente mais empobrecida, as faculdades também. São atores coletivos que, de forma voluntária, são confrontados com responsabilidades e desafios, num quadro de crescente complexidade.

Estudantes desse lado, desafio-vos a conhecerem a história das primaveras estudantis e a inspirarem-se. O ensino superior não representa números; representa sonhos, pensamento crítico, desenvolvimento. Participem nos momentos construídos para vos ouvir, participem nos momentos eleitorais que vos incluem, tornem-se cidadãos ativos na vossa própria faculdade. Quem sabe se tal não se estende para a vida em sociedade. Investir na democratização da academia é investimento no futuro, é a definição dos valores de uma geração.

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