O João partiu uma perna. Quando os amigos souberam, ficaram curiosos e quiseram saber de que forma aconteceu. Por isso, o João não estranhou quando lhe perguntaram:
– Como fizeste isso?
– Dói muito?
– Quanto tempo vai demorar a passar?
Também não estranhou quando comentaram:
– Para a próxima tem mais cuidado.
– És um desastrado.
O João ficou feliz por se sentir acompanhado e saber que os seus amigos se preocupavam com ele e se interessavam pelo seu estado de saúde.
A Maria foi diagnosticada com depressão. Quando contou aos amigos, a maioria fez perguntas como:
– Aconteceu alguma coisa?
– Já foste procurar ajuda?
– Como posso ajudar?
Outros dos seus amigos fizeram comentários como:
– Sai e diverte-te.
– Temos de combinar alguma coisa para te animar.
– É importante reagires e saíres de casa.
A Maria sentiu-se satisfeita com o interesse dos amigos, mas não conseguiu deixar de pensar que ninguém a compreendia. Também se sentiu impotente e sem capacidade para reagir. Sentiu até alguma vergonha da sua sensação de incapacidade.
O João e a Maria estão ambos doentes. Contudo, como são doenças completamente diferentes, a abordagem que se faz com a Maria tem, forçosamente, de ser diferente. Caso contrário, corre-se o risco de ela sentir-se julgada, incompreendida e estigmatizada, o que fará com que se isole ainda mais e evite procurar ajuda.
Porquê? Porque ninguém escolhe conscientemente partir uma perna, ter uma pneumonia ou um cancro. Ninguém escolhe ser infeliz, sentir-se dominado por uma doença ou incapaz de reagir. Então, porque se continua a questionar as pessoas deprimidas, com patologias da personalidade ou de ansiedade?
“Como te deixaste ficar assim?”, “como chegaste a esse ponto?”, “era importante teres reagido a tempo”, por exemplo, são frases habitualmente utilizadas, mas que têm um potencial altamente estigmatizante. Penso que isso acontece essencialmente por desconhecimento, falta de empatia ou incapacidade de entender o que é uma doença mental.
As doenças mentais são complexas, porque resultam de uma multiplicidade de fatores que não dependem do controlo consciente e, muitas vezes, agravam-se sem que as pessoas deem-se conta. Alguns, quando procuram ajuda, já estão desesperados, não aguentam mais e sentem-se incapazes de enfrentar a situação sozinhos.
Na saúde mental, sobretudo ao fim de longos anos de sofrimento, a linha que separa a pessoa da sua doença é, geralmente, ténue e subtil. Pode ser mesmo indecifrável. “Porque estás assim se não tens motivo nenhum?” é algo que familiares e amigos costumam perguntar. No entanto, nem sempre as pessoas sabem por qual razão se sentem doentes, ou o motivo, simplesmente, não é o que parecia à primeira vista. Provavelmente, nestas situações, a melhor forma de ajudar é começar por mostrar abertura e escutar as pessoas com a consciência de que ninguém escolhe ter uma doença mental!
Rolando Andrade
Pintura de capa por Gerolamo Induno
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