O medo da morte, da finitude inegável, é um sentimento inato ao ser humano. Tornou-se parte da nossa genética desde os primórdios da evolução e ajuda-nos a sobreviver, ultrapassando dificuldades e evitando riscos à integridade do ser.
Numa perspetiva darwinista, o ser humano passou por um processo de evolução agressivo, defendendo-se das ameaças do meio e apenas beneficiando da sobrevivência aqueles que apresentavam uma maior e melhor adaptação. O estado constante de alerta e a perceção de perda iminente que os nossos antepassados presenciavam, geraram uma particularidade única na nossa espécie: a consciência da morte. Esta capacidade de refletir sobre a finitude de si e dos outros leva, inevitavelmente, a uma ansiedade angustiante.
O que há depois da morte? Como é a morte? Fiz e consegui tudo o que queria ao longo da vida? Disse que amava o suficiente? Qual é o significado da minha existência? Estas são algumas das questões traiçoeiras que invadem a mente, não só de moribundos, como de pessoas que, após um piscar de olhos, apercebem-se da sua efémera passagem por aquilo que é a vida.
Todos nós vivemos com este medo visceral, mais ou menos presente no nosso consciente. E se não está presente vividamente, a dada altura, é incontornável o facto de nos atormentar. Até então, tentamos minimizar o receio de morrer, ou ignorando os alertas que a mente nos transmite, ou integrando ideias de imortalidade através da religião, por exemplo. A religião é a âncora da vida, atracada num mar de ilusões. Quantos de nós conhecemos pessoas que, após um acontecimento marcante, se amarraram vigorosamente à fé? Seja ela qual for, a religião oferece a ideia de um final feliz, caso sigamos os seus princípios. É uma ferramenta de suporte que ajuda a aceitar a ideia do fim, que lhe dá um certo significado, e ameniza a ansiedade de morrer. É através desta que acreditamos num ser maior que nós, com capacidades superiores que nos podem salvar e oferecer a felicidade eterna.
Não obstante às crenças tão válidas de cada um, a ansiedade da morte pode surgir derivada de situações do quotidiano como o sonhar, a morte de um familiar, a perda de trabalho, a separação amorosa, a doença…. Fazem-nos questionar qual o sentido da vida, de onde vimos e para onde vamos.
Num cenário típico: imaginemos um senhor nos seus 50 anos; viveu do e para o trabalho, casou-se e teve 2 filhos, contudo, é um doente terminal, acamado, e com curto prognóstico. Nesta sua situação, onde claramente tem a certeza de a morte estar próxima, este senhor apercebe-se de que nunca amou verdadeiramente a mulher, de que nunca saiu da sua cidade devido ao trabalho e que os seus filhos não poderão ter um pai presente nas suas vidas. Amor, significado e legado; são estas as principais questões que emergem em situações que nos colocam à margem do fim. São este tipo de situações, de “tudo ou nada”, que nos abrem os olhos para aquilo que é o fim depois da morte e nos fazem questionar.
A inexistência antes do nascimento e a inexistência após a morte, são vazios próximos e equiparados, mas, curiosamente, apenas o segundo preocupa os pensamentos mais profundos do Homem. Isto deve-se, maioritariamente, ao sentimento associado às nossas conquistas na vida, ao legado e à marca que deixamos no mundo. Certas pessoas dão como adquirida a vida através da conquista de bens materiais, dinheiro ou fama. Mas aquilo que realmente preenche o vazio e a solidão tão inerentes à morte são as relações interpessoais. Exato, as relações, a marca, as lições, as memórias, as alegrias e as boas ações que fazemos perante o outro. Basicamente, aquilo que acrescentamos de bom ao mundo e que fará a nossa existência perdurar. De que vale encher o curriculum de feitos, de vencer todas as competições ou de ser o melhor da turma? Claro que tudo isto tem um valor pessoal incontestável, mas e se apenas colecionarmos bens materiais ao longo da vida? O ser humano é um ser sociável e tem a necessidade de se relacionar com os que o rodeiam. Se não formarmos relações significativas, se não soubermos como cuidar e nutri-las, pouco nos resta, porque nós só morremos quando a última pessoa que se lembra de nós desaparece, até lá, estamos vivos nas suas memórias e corações.
Neste sentido, temos de aprender a encontrar, compreender e aceitar a ansiedade face à própria finitude. Temos de aprender, enquanto humanos, que nada somos se apenas nos munirmos de títulos e prémios e não tocarmos, por pouco que seja, alguém. Só assim, se minimiza este medo. Temos de tentar, com serenidade e consciência, perceber que todos nós somos importantes para as pessoas certas, que a nossa existência importa, para nós próprios e para os nossos. Com estes pensamentos plenamente integrados, esta ansiedade que nos acompanha há séculos poderá dissipar-se de forma mais íntegra. Não poderemos ter medo da morte, porque não teremos consciência dela quando acontecer. É um estado de não-existência e se não existo, não penso e não sinto.
D.Yalom, I. (2016). De olhos fixos no sol (3 ed.). Lisboa: Saída de Emergência.
Darwin, C. (1859). On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. London: John Murray.
Lara Rocha Mendes
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