As comédias românticas, que tanto nos fazem sentir bem, com telemóveis mais pequenos que a mão e as luzes de Nova Iorque a inebriar os sentidos, deixam uma sensação agridoce, porque nos aquecem o coração durante uma hora e meia e, quando passam os créditos, sabemos que nada daquilo nos vai acontecer. Não falo no sentido fantasioso do filme, mas no simples ato de cavalheirismo, a impressão de que somos únicas e alguém sente necessidade de fazer tudo ao seu alcance para não ter de viver mais um dia sem a nossa presença.
E sim, acredito que a pessoa certa irá fazer todas essas coisas por nós, mas, ao mesmo tempo, sinto que a nossa rotina dopaminérgica de redes sociais e de gratificação instantânea estragou, um pouco, os nossos ideais de romance. Alguém disse à nossa geração que devíamos explorar o máximo possível, ou seja, estar com pessoas diferentes e ceder a tentações momentâneas de luxúria, sem saberem eles próprios dos problemas que esse comportamento causa.
Ninguém sabe onde fica o limite. Ouvimos muitas pessoas, ao longo da nossa infância, a dizer que o casamento é uma armadilha. Saberão estas pessoas a real sensação de prisão? Não estou a dizer que os divórcios são descabidos, longe de mim, mas alguns marcam a busca de um sonho que não passa de uma caixa de pandora. Só está realmente preso quem acha que ter alguém com quem partilhar a vida tira-lhe liberdade. Preso a uma ideia de felicidade vã e ilusória, que não é mais do que uma maçã envenenada. E não é por até aos 30 andarem em modo salta-pocinhas, e magicamente acharem que vão parar aos 40, que fogem a esta ideia; aliás, só provam que pensam da mesma forma, de uma forma diferente.
É tudo muito fácil, embora seja uma facilidade relativa: é fácil sair à noite e vir acompanhada para casa, e por isso é fácil recuperar de uma relação, ou desenvolver um gosto pelo álcool e o barulho das luzes de uma discoteca cheia. Para muitos faz mesmo parte de uma rotina semanal. Na segunda-feira seguinte retomamos a rotina, talvez de volta às ‘dating apps’, ficando presos como numa ‘slot machine’, a fazer ‘swipe right’ e ‘swipe left’, e acabamos por não ir a nenhum encontro. Como é óbvio, vai afetar a forma como nos relacionamos com os outros. As feridas nunca ficam realmente recuperadas, os sentimentos não têm espaço para serem processados, sendo apenas chutados para canto. Tudo é temporário e descartável. As nossas relações são caixas de pastilhas elásticas personificadas. Os valores de integridade, caráter, respeito, e amor genuíno perdem-se e fica só um copo na mão, cheio de nada, uma solidão ensurdecedora.
As ideias de feminidade e masculinidade fica igualmente afetadas, para não dizer destruídas, tanto pelo efeito da rotina de dopamina, mas também por serem associadas a conceitos opressores e demasiado tradicionalistas. A feminidade é sensualizada a um nível que roça o obsceno, e a masculinidade limita-se ao ego masculino inflacionado. Atualmente, ser uma mulher forte é, generalizando, não ter medo de se autossexualizar – como se fosse preciso ajuda –, e o homem forte não deve ter medo de se brutalizar. Com isto, perde-se o decoro, a inteligência, e a gentileza que, para mim, definem a feminidade, assim como o respeito, sentido de disciplina, e proteção/cuidado, define a masculinidade. Claro que, como se fosse um edifício, não podemos manter a fachada arcaica e ultrapassada, porque o mundo evoluiu, mas manter os alicerces, que por este andar vão ruir e tornar-se apenas um despojo da sua grandiosidade.
Pintura de capa por Gustav Klimt
Partilha este artigo:
Deixe um comentário