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Acredito que as pessoas que dizem ter medo de morrer, na sua maioria, não têm medo da morte em si, mas sim do desconhecido, do infinito e irreversível, do que ficou por viver, e do luto daqueles que cá ficam sem nós. Penso que a consciência de que estamos a morrer ou de que temos pouco tempo de vida poderá ser assustadora. Isto, principalmente, quando sentimos que ainda há muita coisa para experienciar.

No entanto, retirando da equação mortes lentas, dolorosas e sofridas, acredito que o momento em que efetivamente morremos é bastante pouco significativo para aquele que morre. Porque, para mim, esse sujeito simplesmente deixa de existir (claramente poderão ver que não sou uma pessoa religiosa), e, portanto, deixa também de sentir o que quer que seja, incluindo o sofrimento. Ou seja, a nossa morte não nos dói a nós, dói àqueles que gostam de nós e ficam para ter de viver com a nossa ausência. E dói-nos quando vemos a dor no olhar dos outros.

A mim, assusta-me mais a ideia de envelhecer de forma pouco saudável. Assusta-me a perda de capacidades, de competências, de consciência. A perda da minha identidade. De todas as doenças que conheço, aquelas que mais me arrepiam são as demências, onde se inclui o Alzheimer – doença em que acontece precisamente isso (a perda progressiva de nós mesmos).

Assusta-me mais ainda a ideia de chegar a certa idade e sentir que não aproveitei bem a vida, e que também já não tenho anos restantes que cheguem para compensar o tempo perdido. De sentir que não vim a este mundo fazer grande coisa. E atenção, não falo de grandes feitos científicos, políticos, ou artísticos, falo de experienciar, viver, e não apenas sobreviver. Viajar, ter contacto com outras culturas e realidades, conhecer pessoas, deixar-me inspirar, inspirar também aqueles que me rodeiam, aprender sobre os mais variados temas, namorar, descansar, dormir umas belas sestas na praia, estar com a família, criar, emocionar-me e fazer emocionar, dar boas gargalhadas com amigos, fazer todos os tipos de desporto, provar todas as comidas, nadar em todos os rios, mares e oceanos…

Está claro que nunca conseguirei fazer tudo. Estou bem resolvida com essa impossibilidade, mas aquilo que consigo fazer, as oportunidades que vão surgindo, espero aproveitá-las da melhor forma. Para quando a minha hora chegar, ir de consciência tranquila. Porque eu não tenho medo de morrer, ou sequer de viver menos anos. Tenho medo de não saber aproveitar bem o tempo de vida.

Sabiam que Portugal é um dos países com maior esperança média de vida1? E que somos também um dos países com maior discrepância entre anos de vida e anos de vida saudável2? Isto só piorou com a pandemia e com o caos atual do Sistema Nacional de Saúde. Estes dados dizem uma coisa que me preocupa e que devia preocupar-nos a todos: os idosos em Portugal vivem os seus últimos anos com muito pouca qualidade de vida. Com certeza, cada um de nós conhece exemplos próximos que exemplificam esta situação.

Perante a constatação desta realidade, concluo que preferiria viver menos e melhor do que mais e pior. Diria até que, se calhar, a maior parte de vocês concorda comigo nesta última frase. Por isso, tal como eu, vocês, talvez, não tenham medo de morrer, mas, sim, de não aproveitar a vida e de sofrer com isso.

Feliz ou infelizmente, a morte é a parte mais natural e certa da vida, inevitável e fora do nosso controlo, pelo que não faz sentido perder tempo a temê-la. Vamos, antes, utilizar a morte como motivação para fazer a vida realmente valer a pena, seja lá o que isso signifique para cada um de nós.


  1. Público. https://www.publico.pt/2023/11/29/sociedade/noticia/esperanca-media-vida-volta-subir-portugueses-podem-esperar-viver-ate-845-anos-2071935 ↩︎
  2. SIC Notícias. https://sicnoticias.pt/saude-e-bem-estar/2023-04-06-Saude-portugueses-tem-agora-menos-anos-de-vida-saudavel-daf939df ↩︎

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