Por uma Política de Esperança e um Contrato com o Futuro

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Não é difícil perder a esperança e ficar desesperado. Ao longo da história, foram vários os momentos em que ficou registado o desespero dos povos por uma qualquer razão – ora porque existia uma guerra, uma peste, uma catástrofe natural ou qualquer outra calamidade . Todos os povos do mundo já sentiram na pele a esperança a desaparecer e o desespero a instalar-se. É verdade que os problemas do passado são sempre diferentes daqueles que vivemos no século XXI, contudo, o ser humano é o mesmo. Estaremos determinados, pela nossa natureza humana, a reagir da mesma forma perante os problemas? Não creio. Atualmente, face os nossos desafios, podemos perder a esperança, desesperar e tomar decisões erráticas, ou podemos reagir de uma forma alternativa: olhar para os desafios de forma racional e científica, orientados por um espírito de cooperação e solidariedade e, em conjunto, tentar encontrar soluções para as nossas adversidades. Por outras palavras, juntos conseguimos pensar em formas de devolver a esperança às pessoas.

O ano de 2024 vai ser aquele em que se vão registar mais eleições[1]. Mais de quatro mil milhões de pessoas vão a votos no mundo inteiro, metade do planeta. Sabemos que muitos desses sufrágios não vão ser verdadeiramente democráticos, nem tão pouco universais. Vão existir atos eleitorais que são meras operações de maquilhagem, uma vez que o vencedor já está decidido pelo regime autocrático em vigor, e dar-se-ão casos em que, apesar de existir uma democracia formal, esta tem vindo a definhar, podendo resultar na manutenção da democracia ou no acentuar de uma transição para um regime autoritário. Nesta categoria, podemos incluir as eleições para o Parlamento Europeu da União Europeia (UE). Apesar da UE ser o espaço mais democrático do mundo, segundo as previsões mais recentes[2], as forças xenófobas e racistas da extrema-direita estão em vias de ganhar ainda mais poder, e, com isso, a probabilidade de degradação da democracia aumenta. Em Portugal, existirão dois atos eleitorais para além das eleições europeias, com a aproximação das eleições para a Assembleia da República e para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (veremos como termina o imbróglio madeirense).

Não é exagero dizer que o futuro da civilização está em jogo. Há problemas que hoje deveríamos estar a enfrentar, sob pena de não conseguirmos garantir, no futuro, a existência de vida humana de forma organizada. A crise climática é o melhor exemplo para ilustrar esta afirmação, sendo que, segundo as previsões mais pessimistas do IPCC[3], em 2100, a vida será insustentável para a maioria dos seres humanos no planeta e vão existir zonas do globo consideradas como inabitáveis. Este vai ser o cenário e não sou apenas eu que o digo, as palavras são do secretário-geral das Nações Unidas: “We are living through climate collapse in real time”[4].

Das várias crises, cujo impacto afeta milhares de milhões de pessoas em todo o mundo, merecem menção os conflitos militares, que constituem uma das ameaças mais violentas ao redor do globo; as migrações de refugiados que se vêm forçados a fugir das suas casas por causa de guerras, catástrofes ambientais, perseguições políticas, e da falta de oportunidades económicas na sua região; a deterioração generalizada na habitação, saúde, e educação, que são direitos fundamentais e deveriam ser de acesso universal e gratuito; a revolução tecnológica digital que está a desenvolver ferramentas que deveriam servir para a emancipação dos povos (como as redes sociais, a inteligência artificial, ou os algoritmos), e, ao invés disso, enfrentamos problemas que, anteriormente, só poderiam ser encontrados na ficção científica. Agora, como noutras épocas, não está fácil viver neste mundo.

O crescimento das desigualdades económicas e sociais, que tornam as sociedades mais injustas, são também combustível para o florescimento de movimentos autoritários, o que, por sua vez, vai contribuir para o desaparecimento da pouca paz social que ainda existe. Esses movimentos autoritários, na sua maioria assentes numa ideologia fascista, têm como modus operandi a proliferação do discurso de ódio, xenófobo e racista, sempre em busca de um bode expiatório – em Portugal, sabemos que a extrema-direita já estabeleceu a fronteira entre aqueles que são os “portugueses de bem” e os bodes expiatórios, que costumam ser os mais pobres e desprotegidos –, e afirmando serem antissistema quando, na verdade, nasceram e cresceram no sistema, e agora têm uma plataforma para fazer uma defesa agressiva do status quo que tanto lhes é benéfico e lucrativo.

Nas próximas eleições legislativas nacionais, é o futuro que vai a votos. Para a maioria das pessoas – que, nos últimos 20 anos, perderam qualidade de vida, sejam elas alvo de desemprego, ou presas a um trabalho altamente precário; que viram os seus familiares emigrarem, ou que tiveram um familiar que faleceu pela falta de acesso a cuidados de saúde; que viram as suas vidas desaparecerem numa catástrofe natural; ou, em síntese, que perderam com esta nova versão do capitalismo – não é fácil ter esperança neste sistema político e partidário que pouco fez para melhorar substancialmente as suas vidas e os seus contextos. As pessoas perderam a esperança e isso já era percetível nas elevadas taxas de abstenção[5].

A desesperança tornou as pessoas mais permeáveis a discursos e narrativas que apresentam os alegados culpados do estado das coisas, e prometem soluções fáceis para problemas complexos. Para a extrema-direita portuguesa, que representa e beneficia do ‘establishment’ e que apenas existe para defender os interesses dos donos disto tudo[6], foi relativamente fácil instrumentalizar a população desesperada e desiludida com as últimas décadas de governação. Mas não vão ser esses partidos autoritários, com as suas alegadas soluções simplistas e milagrosas, que vão resolver os problemas e desafios já enunciados. Se olharmos para os programas eleitorais da extrema-direita e da direita radical, percebemos que as suas soluções messiânicas se concentram na entrega do Estado Social aos privados; na negação ou relativização da crise climática; na implantação da ideia de que o mercado corrige e resolve tudo; na descida de impostos para as grandes empresas e fortunas sob a premissa do falhado ‘trickle-down’. Em suma, repetir aquilo que já foi feito e falhou.

Ora, precisamos de fazer diferente. Não podemos ceder ao medo e ao desespero. O ‘business as usual’ foi aquilo que nos trouxe até aqui e aquilo que precisamos é de um “Contrato com o Futuro”. É urgente trabalhar, em conjunto, para devolver a esperança às nossas famílias e amigos, aos vizinhos, às pessoas que estão sozinhas ou doentes, aos jovens que não conseguem pagar uma casa ou um trabalho digno. Precisamos de uma política de esperança.

Num momento em que vamos celebrar os 50 anos do 25 de abril, sabemos que precisamos de um novo modelo de desenvolvimento para o país. Queremos uma economia de conhecimento, com alto valor acrescentado e baseado na cooperação, com uma distribuição de riqueza, rendimento e tempo mais justa e equitativa entre todos. Temos de enfrentar a crise climática com políticas que visem mitigar e adaptar as comunidades e os territórios para esta nova realidade, sem nunca deixar ninguém para trás. É preciso construir um futuro de esperança, e, para isso, necessitamos de todas as pessoas que acreditam e desejam uma sociedade progressista, justa, livre, e universalista.

A grande questão é a seguinte: como operacionalizar um conjunto de soluções que visam alcançar aquilo que precisamos e desejamos para o país e para o mundo? Enquanto membro e candidato do partido Livre para estas eleições legislativas, tenho enorme consideração pelo programa eleitoral, aprovado no passado XIII Congresso no Porto[7]. Devemos sempre olhar para as soluções de forma científica e integrada, aceitando a interseccionalidade dos problemas, promovendo um constante diálogo entre a sociedade e os decisores políticos, num espírito colaborativo e numa organização horizontal – foi com esse foco em mente que se formulou o respetivo programa eleitoral.

Destaco três medidas que entendo serem prioritárias na sua implementação: a semana de quatro dias, o aumento do salário mínimo de 1150 euros em 2028 e alcançar dez por cento de habitação pública. Todas as políticas devem ser enquadradas, no seu conjunto, de forma integrada e complementar. Se a semana de quatro dias for implementada, seguindo os resultados da experiência realizada[8], verificam-se menos acidentes de trabalho, menos situações de ‘burnout’, menos necessidade de cuidados de saúde mental, mais tempo para a prática de exercício físico, e, portanto, as previsões a médio prazo estimam uma redução da pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde.

A proposta do Livre assenta nos pilares da humanidade, da ecologia e da tecnologia. Assim, aglomera muitas outras áreas que são bastante importantes, e que fazem parte da mudança que o partido deseja para o futuro: o desenvolvimento ecológico, cooperativo e solidário; o conhecimento, a ciência e o ensino superior; a cultura e a arte; a habitação; a coesão territorial, a regionalização e a mobilidade; agricultura e florestas; a energia; a economia circular; a proteção da biodiversidade, a conservação da natureza e o bem-estar animal; a justiça e as instituições; a soberania digital; o papel de Portugal no mundo.

Precisamos de construir, na Assembleia da República, uma maioria parlamentar progressista, de ecologia, e de esquerda. Temos que envolver e ouvir todas as pessoas neste processo de progresso e mudança. Está na hora de começarmos a construir as nossas utopias.


[1] Tisdall, S. (2023, December 18). Democracy’s Super Bowl: 40 elections that will shape global politics in 2024. The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2023/dec/17/democracys-super-bowl-40-elections-that-will-shape-global-politics-in-2024
[2] Cunningham, K., Hix, S., Dennison, S., & Learmonth, I. (2024, February 8). A sharp right turn: A forecast for the 2024 European Parliament elections. ECFR. https://ecfr.eu/publication/a-sharp-right-turn-a-forecast-for-the-2024-european-parliament-elections/
[3] IPCC, 2023: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, H. Lee and J. Romero (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, pp. 1-34, doi: 10.59327/IPCC/AR6-9789291691647.001
[4] Carrington, D. (2023, December 1). ‘Climate collapse in real time’: UN head António Guterres urges Cop28 to act. The Guardian. https://www.theguardian.com/environment/2023/nov/30/climate-collapse-in-real-time-un-head-antonio-guterres-urges-cop28-to-act
[5] Pordata. (n.d.). Taxa de abstenção nas eleições para a Assembleia da República. https://www.pordata.pt/municipios/taxa+de+abstencao+nas+eleicoes+para+a+assembleia+da+republica-630
[6] Malhado, A. R. (2022, September 22). Famílias Mello e Champalimaud financiaram o Chega em 2021. Sábado. https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/familias-mello-e-champalimaud-financiaram-o-chega-em-2021
[7] Livre. Contrato com o Futuro: Programa do LIVRE às eleições legislativas de 2024. https://partidolivre.pt/wp-content/uploads/2024/02/Programa_LIVRE_2024_FINAL.pdf
[8] Portugal.gov.pt. (n.d.). 95% Das Empresas Avaliam Positivamente Experiência Da Semana De Quatro Dias. https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/noticia?i=95-das-empresas-avaliam-positivamente-experiencia-da-semana-de-quatro-dias

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