Sempre achei que quanto mais livres, mais felizes seríamos. Quanto mais explorássemos, mais realizados estaríamos e que o prazer de viver estava do outro lado do muro. O facto da sociedade mais ocidentalizada viver, durante largos períodos, absorta dos conflitos do mundo, ajudou a que se explorasse mais e mais. Explorar é bom, questionar o mundo é importante, mas desvalorizar algumas regras que nos ergueram e guiaram desde os primórdios do tempo ou, no fundo, desprezar regras por terem algum teor autoritário e normativo já é pouco inteligente e bastante imaturo.
Gosto de discutir com pessoas com as quais não concordo. Conheci o Eufrásio (vamos chamá-lo assim) e, para ele, todas as notícias e headlights sensacionalistas eram dignas de se partilhar, desde que as vítimas fossem as “ideais”. É o rei do politicamente correto, mesmo que o leve a defender aquelas situações que estão numa zona cinzenta entre liberdade e internamento psiquiátrica, até que falámos de promiscuidade.
Por exemplo, vejamos a série Elite. Na última temporada, o número excessivo de mortes sem fechar o colégio é estranho, mas algo para discutir com os guionistas. A pergunta é desde quando é que, numa escola espanhola elitista, se pode andar de roupa interior exposta e partilhar as próprias sextapes, e toda a gente age normalmente? Eu espero que a personagem evolua, e que a hipersexualidade da mesma seja explicada, provavelmente associada à educação dada por uma mãe ausente, que usa a sua sexualidade como um meio para atingir um fim. No fundo, o que nós nos temos de perguntar é: porque é considerada normal a hipersexualidade e a exposição da mesma? Onde fica a intimidade? O que fará esta sexualização ao nosso sentido de identidade e o que fará à nossa identidade, quando a nossa sexualidade e intimidade se tornam completamente expostas?
Podemos ainda viver num período complicado para se ser mulher, embora com complicações diferentes de outrora. Ainda somos vistas como alvos fáceis para violência e abuso, e, ao mesmo tempo, temos uma existência constantemente erotizada e objetificada. Porém, a luta pela emancipação feminina encontra-se num patamar diferente, porque evolui à medida que a sociedade o faz. Neste momento, usar umas calças em vez de uma saia, um decote mais fundo, ou uma saia 2 cm mais curta já não é um desafio a medidas patriarcais. Será que expor cada vez mais do nosso corpo, em 2023, uma real medida emancipatória? Será que promover a luxúria num nível já promíscuo trará algum tipo de vantagem às gerações vindouras?
A série é classificada para maiores de 16 anos, e, como tal, as crianças não devem ver a série, mas devem estas ser expostas à promiscuidade? Segundo o Eufrásio, sim. Porque o pior que pode haver no mundo é ignorância, e as crianças devem ser expostas a alguma promiscuidade, desde que saibam lidar com ela, e para isso precisamos de um sistema educativo capaz de as educar, assim como a educação sexual.
Eu pergunto, qual a idade que a criança deve ter? Ou não há limite mínimo? Será que as crianças são realmente capazes de processar certas coisas como um adulto e entender o que se passa? Estará o cérebro capaz de processar tudo o que vê, numa altura em que é tão moldável? A verdade é que só saberemos que efeitos terão no desenvolvimento das crianças daqui a largos anos. Na minha opinião, o que se expõe a uma criança deve passar por uma avaliação feita por especialistas, ainda por cima, se é feita na escola. No entanto, discordo completamente da normalização da promiscuidade, assim como a hipersexualidade e a sexualidade como meio para atingir um fim (como perfis no OnlyFans), e que estes sejam expostos a crianças pequenas.
O Eufrásio tem razão, o sistema educativo pode melhorar. No entanto, não se pode pôr tudo na alçada dos professores ou outros profissionais envolvidos na escola. Já estamos numa fase em que faz sentido abordar mais sobre, por exemplo, a comunidade LGBT, as diversas formas possíveis de amor, base familiar, homofobia, transfobia, assim como racismo, xenofobia, etc, numa idade que seja coerente. Não digo que seja a mesma idade que se deva abordar temas que confundam princípios de identidade e orientação sexual. Falando em especialistas, qual é a posição da Psicologia neste tema tão fraturante? Terão as escolas acesso a psicólogos para estas situações? Mais importante que isso, terão os psicólogos espaço para avaliar/diagnosticar?
O sistema educativo, que poucas evolução teve ao longo do tempo, devia ter algumas alterações no que toca à preparação dos jovens para o mercado de trabalho, assim como devia permitir que cada criança explorasse as suas paixões. Tendo em conta que a carga horária para a disciplina de História (onde poderiam ser abordados temas como o percurso desta comunidade) é cada vez mais pequena e esmagada pelas ciências exatas, quão bem ficam expostos os jovens que se informam sobre este tema, os alicerces desta comunidade? Parafraseando o amigo Eufrásio, “a ignorância é danosa para quem toma uma decisão, ainda por cima se for relacionada consigo próprio ou como se identifica”. E mais importante, tomar uma decisão sem saber a diferença entre sexualidade (LGB) e identidade (TQ+). Essa diferenciação não é feita. E sim, falo em jovens, porque na altura que História já é uma disciplina, e não Estudo do Meio, já não se tratam de crianças.
Esbarramos com uma promiscuidade grátis, crescendo como as raízes das árvores sob o asfalto, aos olhos de todos, como forma de liberdade de expressão. Se sou livre de ter uma profissão, ofício, ou até apenas uma ação normal quotidiana, até que ponto é que essa liberdade deve “atropelar” bons princípios, a ideia de integridade, família, proteção, respeito, ou até masculinidade e feminidade?
Embora muita gente o faça, não podemos culpar o movimento LGBT pela promiscuidade ou outros ataques aos princípios fundamentais de um bom cidadão. Um movimento com um cerne baseado nos direitos humanos, integridade e inclusão, não pode ser culpado por movimentos adjacentes que se auto intitulam pertencentes, mesmo não representando toda a comunidade. Semelhante situação vive o feminismo, e viveu nos anos 60/70, com as correntes que defendiam que, por exemplo, só aderindo ao lesbianismo a mulher seria uma verdadeira feminista. Há pessoas que se identificam com o movimento LGBT, e discordam com as “novas tendências”, o problema é que nem podem “limpar a própria casa”, porque se tornou impossível discordar com alguns egos feridos que enchem a rua de gritos e, se for preciso, completamente nus.
Assim como o feminismo moderno, gerou-se uma nova corrente extremista, que, no meu ponto de vista, se afasta do cerne do conceito LGBT. É como ler uma obra na diagonal, como ler o “Memorial do Convento” através dos resumos da Europa América. Mas, agora, faço um grande destaque: não podemos apontar o dedo a toda a comunidade, com base nesse grupo de pessoas que se associam à luta LGBT de uma forma promíscua, desafiadora e desleal ao conceito. Estas correntes mais extremistas existem desde sempre, mas tendo em conta a forma muito mais rápida de propagação de ideias, é mais fácil de se espalhar pelo mundo. Atualmente, não se pode discordar com um ideia, por mais absurda que seja, o que faz com que as pessoas que realmente estão próximas dos ideais do cerne do movimento se afastem. Se não há contradição, discussão, nem tolerância, isso passa de uma comunidade a uma seita. Vamos tolerar a intolerância? Será este o futuro destes dois movimentos, serem arruinados pela falta de debate? Tudo isto, recorda-me de uma frase:
“How arrogant are you to think you deserve to go through life with no one ever saying anything you don’t agree with or like?” – Ricky Gervais
Referindo-me, agora, aos não-binários: não há mal nenhum em fazer alguém feliz com a sua noção de identidade respeitada. Se, numa conversa, há alguém que me pede para tratar de certa forma, eu vou tentar e não vou entrar em confrontos desnecessários. Porém, é necessário coerência e noção da sociedade na qual se insere, dos padrões linguísticos que existem, e do dever ser uma pessoa ponderada, porque se se altera os pronomes constantemente, o problema já não são os outros. Não vejo problema em aprender a adaptar-me, porém, não pode ser esperado que toda a gente consiga ter “nota máxima”, como se fosse um exame académico, ou por exemplo, que a dona Otília, com 82 anos, consiga perceber como os tratar. A sociedade evolui nesse sentido, sem sombra de dúvida, por isso considero importante adaptar o nosso discurso do ponto de vista informal, de modo a integrar novas formas de abordagem, sem nunca sucumbir à insanidade de considerar normal trocar de género a cada hora que passa. Quero acreditar que se trata do meu algoritmo do Instagram, e apenas duma realidade que se passa do outro lado do Atlântico, onde se passam muitas outras coisas surreais.
Estas formas de inclusão de uma ínfima minoria contempla, num futuro próximo, as pessoas com capacidades de comunicação reduzidas? Surdos, cegos, mudos? Somos tolerantes com uma alteração da Língua Portuguesa, que não inclui os que realmente vão sofrer mais com estas alterações? Ou vamos continuar a castigar pessoas como a Catarina Furtado, que usou a língua materna corretamente (disse “boa noite a todos” e não “todes”)?
Porque não se trata só de alterar a língua, e adaptar para pessoas que enfrentam obstáculos diários de comunicação. Está também em transmitir e explicar estas alterações, e dificultar a vida de pessoas cuja língua materna aplica géneros a tudo, e que, por si só, já precisam de se adaptar devido a limitações físicas.
Noutro prisma, imaginem uma situação laboral, ou até numa conferência de maior importância política e social. eSerá que estaremos preocupados em saber como é que as 30, 50, 100 pessoas querem ser tratadas? Ou pior, se se ofendem com um simples “boa tarde a todos”, porque já não se trata de respeito e cordialidade? Por mais boa vontade, princípios, e capacidade de adaptação que se tenha, se há um assunto a ser tratado com alguma urgência, não é possível estar preocupado se há alguma pessoa que não se identifica com aquilo que aparenta ser (sendo ainda um grupo muito pequeno na sociedade).
A analogia à qual recorro para interpretar a sociedade atual é a de uma casa abastada com uma grande discussão à mesa. Na mesa, há todo um banquete de invejar a qualquer paladar, variadas opções. A matriarca da família senta-se no topo, calada, apática, raquítica. Os seus filhos discutem com os netos, cunhados e cunhadas com as bochechas vermelhas de raiva (e do vinho de uma casta “xpto”) sobre o que é melhor para a matriarca. “A outra equipa” é gananciosa demais. Ou não querem o bem da querida avó, ou querem arruinar a família e o diabo a 7. Na outra sala, o cozinheiro pensa em como vai ser difícil pagar a escola do filho. A empregada da limpeza, descobriu ontem que estava grávida, e não tem quaisquer condições para criar o filho, com os pais do outro lado do mundo, a morrer de fome e falta de higiene. A um canto, o tio, filho mais velho da família, assiste à discussão. Só lhe faltava o charuto. Enquanto toda a gente discute à mesa, este observa a sua obra-prima: tinha mentido sobre uma das partes estar a tentar alterar o testamento, e iniciado toda aquela confusão. Tinha conseguido o código dos cofres da casa, e já tinha tirado grande parte do património familiar. Enquanto isso, a matriarca está apática, está um calor insuportável, e ninguém tocou no puré.
Cada vez é menos sobre aceitação, e mais sobre afagar egos feridos e pessoas inseguras. Tudo se cancela porque uma palavra foi mal dita, o que é completamente paradoxal, porque, para aqueles que são consideradas vítimas da sociedade, é permitida toda a libertinagem possível nas redes sociais. Estas pessoas, ou usam essa “vantagem”, ou têm algum discernimento e percebem que não o devem fazer, tendo em conta os seus princípios e valores. Os frutos disto saber-se-ão daqui a umas décadas, mas posso garantir que, enquanto estivermos com estas lutas sociais, a confundir mentes suscetíveis, há toda uma panóplia de problemas bem mais importantes que nunca chegamos a combater, para bem dos nossos interesses.
Pintura de capa por Vincent-van-Gogh
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