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Violência contra mulheres: o silêncio não é solução

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De acordo com a World Health Organization, estima-se que 1 em cada 3 mulheres já sofreram ou sofrem algum tipo de violência física, sexual ou abuso de outra natureza ao longo da vida. O dia 25 de novembro (Dia internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres) é para muitos um dia como tantos outros, mas trata-se de um dia dedicado a uma problemática de saúde crescente a nível mundial – a violência contra mulheres. Até ao momento foram assassinadas, só em 2023, 25 mulheres, sendo acrescentado a este valor as 38 tentativas de homicídio. O que este crescimento espelha sobre a sociedade portuguesa?

2023, à semelhança de anos anteriores, está a caminhar para um final de ano negro no que concerne à violência contra as mulheres, uma vez que os seus problemas estruturais ainda se encontram por resolver. Atualmente, são várias as associações que prestam apoio a vítimas de violência, e todas elas atestam um crescimento exponencial de crimes de violência em contexto português e uma maior procura por instituições de apoio, por parte das vítimas. Em grande parte dos casos, a violência perpetrada contra as mulheres associa-se a um perfil de agressor cuja origem reside nos ciúmes, no consumo excessivo de álcool e nos antecedentes criminais que, na sua maioria, estão presentes. Em Portugal estamos perante uma desvalorização social destas variantes que anunciam a consumação destes crimes conduzindo, muitas vezes, à morte destas mulheres.

Estes números assustadores enfatizam a persistência da problemática da violência e das desigualdades que se verificam nos vários contextos, especialmente contra as mulheres vistas como o “sexo mais fraco”. Mas o que é isso de “sexo mais fraco”? Como se mede a fraqueza de um ser humano? Pela força física, emocional? O povo português encontra-se mergulhado nos estereótipos associados à tradicional figura da mulher, atualmente descabidos. Cada vez mais as mulheres lutam pelos seus direitos e desvinculam-se da dependência masculina que lhes foi incutida, erradamente.

As campanhas de prevenção contra a violência são essenciais, mas os números refletem que a sua existência não é suficiente para quebrar o seu aumento. Enquanto o Estado continuar a negligenciar os crimes de violência contra mulheres e entender que é imperioso um trabalho de intervenção continuado junto das vítimas de forma a educá-las para relacionamentos positivos e, sobretudo, não iniciarem relacionamentos que as fragilizem, quaisquer intervenções psicoterapêuticas remediativas têm per si uma taxa de sucesso inferior.

Nasce então a seguinte questão: como existem mais casos de violência, será que agora as “colheres” se metem mais entre marido e mulher? A realidade é que a partir do momento em que a violência doméstica, especialmente contra as mulheres, se tornou um crime público, as pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, na prática destes atos violentos devem denunciá-los, e porquê? Na sua generalidade, estas mulheres violentadas não têm a capacidade de se defenderem, não têm autonomia suficiente para apresentarem queixa e claro, estarem vinculadas a um meio cujas liberdades e direitos foram castrados implica uma maior dificuldade em sair deste ciclo violento.

Vejamos o seguinte cenário:

Um casal heterossexual cuja violência contra a mulher é exercida pelo conjugue e habitam numa remota aldeia do interior do nosso país e onde “toda a gente se conhece”. Alguém acredita que o/a vizinho/a (que presenciou várias vezes os episódios de violência), vai denunciar o/a agressor/a?

Ainda que as denúncias possam ser anónimas, a realidade é que tem de haver uma intervenção consistente junto desta população (que não existe) e por isso muita gente prefere omitir este tipo de situações, com receio de as denunciar. Isto porque, antes de ocorrerem os surpresos homicídios, que de surpreendentes nada têm, existe um conjunto de alertas prévios até à consumação de tal selvajaria, que se fossem devidamente identificados as vítimas seriam protegidas e as suas vidas salvaguardadas. Já se concluiu que a violência contras as mulheres está a aumentar. As molduras penais mantêm-se, os agressores são libertos com uma facilidade de como quem aperta o gatilho para matar e a pulseira eletrónica torna-se uma medida de coação ineficaz a partir do momento em que existem indivíduos que assassinam mulheres com a respetiva pulseira. O que Portugal, e a sociedade em geral, podem fazer para travar este aumento?

Para além do trabalho desenvolvido junto das vítimas (reconstruir a autoestima entretanto destruída, voltar a ter dinâmicas sociais saudáveis, estabelecer objetivos e metas de vida) e de prevenção de alegados agressores adultos é quase que evidente uma necessidade de intervir junto do público mais jovem, nomeadamente os meninos e rapazes. Os primeiros anos de vida representam fases de desenvolvimento cognitivo fundamentais para o estabelecimento de normas e comportamentos. Por isso mesmo deve ser no período em que se fomentam as primeiras relações interpessoais que se deve consciencializar de que a violência não é normal, nem deve ser um meio de resposta adequado a qualquer tipo de situação.

Se uma criança está submersa num ambiente familiar cujas práticas violentas são “o pão nosso de cada dia”, a intervenção torna-se mais complexa, mas nunca impossível. Os comportamentos violentos devem representar uma taxa muito inferior do que aquela que atualmente Portugal enfrenta e quanto mais cedo as crianças se familiarizarem com este tipo de comportamentos desviantes, mais facilmente se tornarão adultos cívicos e respeitosos, formando uma sociedade justa e saudável.

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