Tributo a Miguel Bombarda: Um Visionário na Saúde Mental e na Revolução Republicana

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Miguel Augusto Bombarda nasceu no Rio de Janeiro (então capital do Império Brasileiro) a 6 de Março de 1851. Foi um médico, cientista, professor e político republicano português, figura cimeira do seu tempo. Desde cedo, demonstrou uma paixão pela ciência e pela medicina, formou-se na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.

A vida de Miguel Bombarda, inegavelmente, é um reflexo complexo do desenvolvimento histórico de Portugal no que toca à abordagem da saúde mental. Num país onde, durante muito tempo, as doenças mentais eram estigmatizadas e tratadas com desprezo, Miguel Bombarda emergiu como uma figura central na transformação dessas atitudes. Com uma mistura audaciosa de inovação médica e paixão pelo bem-estar dos seus pacientes, ele desafiou as normas da sua época e deixou um impacto indelével no campo da saúde mental em Portugal.

Imaginem Portugal no século XIX, um país afogado em superstições e ignorância sobre doenças mentais. Mas eis que surge Bombarda, armado com uma mente brilhante e uma paixão ardente pela medicina. Ele desafiou o status quo da psiquiatria com uma mistura arrojada de inovação e compaixão. Onde outros viam loucura, ele via seres humanos, merecendo dignidade e respeito.

Ao olhar para o panorama histórico da saúde mental em Portugal, é impossível ignorar a viragem impressionante que ocorreu ao longo do tempo. No início do século XIX, a sociedade portuguesa ainda estava mergulhada em crenças supersticiosas e na falta de compreensão sobre as doenças mentais. Os doentes mentais eram frequentemente isolados e sujeitos a tratamentos cruéis e desumanos.

No entanto, no final do século XIX e início do século XX, um vento de mudança começou a soprar em Portugal. Foi nesse contexto que Miguel Bombarda, médico psiquiatra e psicopatologista, emergiu como um pioneiro no campo da saúde mental. Com uma visão progressista, Bombarda procurou entender as causas das doenças mentais e tratá-las de forma humanizada. Ele introduziu métodos terapêuticos inovadores e abordagens mais compassivas, desafiando assim as crenças e práticas da sua época.

Miguel Bombarda não era apenas um médico habilidoso, mas também um entusiasta humanista. Ele não prescindia da dignidade de cada indivíduo, independentemente da sua condição mental e lutou intransigentemente para proporcionar um tratamento respeitoso a quem padecia de falta de saúde mental. A sua abordagem humanista, no que à psiquiatria diz respeito, foi uma lufada de ar fresco num contexto onde a empatia muitíssimas vezes escasseava.

Dotado de uma mente ágil e curiosa, Miguel Bombarda dedicou-se fervorosamente à investigação e à divulgação científica, produzindo inúmeros artigos e livros sobre a sua especialidade e questões científico-filosóficas, influenciado pelo positivismo comtiano, uma corrente filosófica baseada nas ideias do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857). Comte é considerado o fundador da sociologia, tendo proposto uma abordagem científica para compreender a sociedade. O positivismo comtiano defende que o conhecimento só é válido quando é obtido através do método científico, rejeitando especulações metafísicas ou teológicas. Bombarda também liderou um movimento em prol do progresso científico e da felicidade humana, fundou a Liga Nacional contra a Tuberculose e a revista Medicina Contemporânea.

O seu trabalho contribuiu significativamente para desmistificar as doenças mentais e promover uma maior compreensão sobre essas condições. Além disso, ele desempenhou um papel fundamental na criação de instituições de saúde mental mais compassivas e eficazes em Portugal. Fundou, em 1901, a Junta Liberal, e foi um membro do Comité Revolucionário, em 1909. Também fez parte da discreta organização a Maçonaria, tendo sido iniciado em 1879 na Loja Pureza, com o nome simbólico de “D’Artagnan” (personagem do livro Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas).

Hoje, olhando para trás, é inegável que o legado de Miguel Bombarda continua a moldar o cenário da saúde mental em Portugal. As atitudes em relação às doenças mentais mudaram de forma profunda ao longo dos anos e grande parte desse progresso pode ser atribuído às iniciativas pioneiras de figuras como Bombarda.

Num país onde o estigma em torno das doenças mentais foi, em tempos, omnipresente, a coragem e visão de Miguel Bombarda lançaram as bases para uma abordagem mais empática e científica às questões de saúde mental. O seu legado deve ser celebrado e lembrado, não apenas como um tributo ao homem extraordinário que ele foi, mas também como um lembrete do poder transformador da compaixão e do conhecimento na sociedade.

Nesta jornada através da evolução da saúde mental em Portugal, é impossível não reconhecer a coragem e a dedicação de figuras como Miguel Bombarda. À medida que olhamos para o futuro, devemos continuar a inspirar-nos na sua determinação e na sua busca incessante pelo bem-estar dos outros. Que o seu legado perdure, servindo como um farol de esperança num mundo que, embora tenha progredido muito, ainda tem muito a aprender sobre a complexidade e a importância da saúde mental.

Ele mergulhou de cabeça no mundo da política, agitando as águas do movimento republicano português envolto nos princípios: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Para Bombarda, essas não eram apenas palavras, mas a passagem para uma nova era em Portugal. Iniciou a sua carreira na política em 1908, como deputado adjudicado a Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, então Presidente do Conselho; de tendências liberais e anticlericais, declarou-se abertamente como republicano, e dirigiu o Comité Civil do movimento para derrubar a Monarquia. Junto com João Chagas liderou o diretório republicano que planeou a revolução que depôs a monarquia portuguesa em 1910. No entanto, tanto ele quanto o almirante Carlos Cândido dos Reis, outro líder do movimento, não sobreviveram para testemunhar o triunfo da República. Cândido dos Reis, erroneamente informado sobre o fracasso da revolução em terra, cometeu suicídio na madrugada de 4 de outubro.

Mas, como boa parte das grandes histórias, a de Bombarda teve um fim trágico e substancialmente irónico, na véspera do início da Revolução Republicana em Portugal a 3 de Outubro 1910. Num momento de fatalidade, Miguel Bombarda foi assassinado no seu próprio gabinete do Hospital de Rilhafoles (atual Hospital Miguel Bombarda) por um doente mental de nome Aparício Rebelo dos Santos (oficial do Exército nascido em Braga a 5 de Julho de 1878, que padecia de um transtorno mental delirante e persecutório, tal como objeto de estudo da sua tese o “Delírio das Perseguições”), que sobre ele disparou vários tiros de pistola. Ainda assim, nas primeiras horas de 4 de outubro, a revolução foi posta em movimento com a senha “Mandaram-me chamar? – Passe, cidadão”. Atualmente, o Museu Miguel Bombarda de Arte de Doentes e Ciência, instalado no antigo Hospital de Rilhafoles, integra o gabinete onde o Prof. Bombarda foi assassinado, bem como outros locais notáveis, e extenso acervo e arquivo, da primeira instituição psiquiátrica do país, fundada em 1848. 

Miguel Bombarda é uma figura que personifica o espírito de progresso e dedicação a uma causa maior. As suas contribuições para a saúde mental e para o movimento republicano continuam a inspirar gerações, deixando um impacto duradouro na história de Portugal. Mas, não é por não sermos paranóicos, que não significa que nos estejam a perseguir…

Deixou publicados vários trabalhos escritos, entre os quais: 

  • Do Delírio das Perseguições (Tese) (1877)
  • Dos Hemisférios Cerebrais e Suas Funções Psíquicas (1877)
  • Das Distrofias por Lesão Nervosa (1880)
  • A Vacina da Raiva (1887)
  • Traços de Fisiologia Geral e de Anatomia dos Tecidos (1891)
  • Microcefalia (Conferência) (1892)
  • Trabalhos Clínicos e de Laboratório do Hospital de Rilhafoles – Contribuição para o Estuda dos Microcéfalos (1894)
  • O Hospital de Rilhafoles e os seus Serviços em 1892-1893 (1894)
  • Pasteur (1895)
  • Lições sobre a Epilepsia e as Pseudo-Epilepsias (1896)
  • O Delírio do Ciúme (1896)
  • Consciência e Livre Arbítrio (1896)

Referências:

  1. Marinho, J. (2005). “Miguel Bombarda (1851-1910) – Um nome, uma história”. Este artigo, publicado na Acta Médica Portuguesa, oferece uma visão geral da vida e contribuições de Miguel Bombarda para a medicina e psiquiatria em Portugal.
  2. Capela, J. P. (2002). “Miguel Bombarda e a Psiquiatria Portuguesa”. Publicado na revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, este artigo explora o impacto de Bombarda na psiquiatria portuguesa e sua influência no desenvolvimento do campo.
  3. Pimenta, A. J. (1998). “A Psiquiatria em Portugal na Época de Miguel Bombarda”. Este artigo, publicado na Revista da Faculdade de Medicina de Lisboa, analisa o contexto histórico da psiquiatria em Portugal durante a época de Miguel Bombarda.
  4. Calado, V. P. (1987). “Miguel Bombarda: Contribuição para o Estudo da sua Obra”. Este trabalho oferece uma análise mais aprofundada das contribuições específicas de Bombarda para a medicina e psiquiatria em Portugal.
  5. Gonçalves, A. L. (2010). “Miguel Bombarda: O Homem, o Médico, o Cidadão”. Publicado como parte dos Anais do Instituto de História de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, este trabalho fornece uma visão abrangente da vida pessoal e profissional de Bombarda.
  6. Torgal, L. R. (1993). “História da Medicina em Portugal”. Este livro oferece uma visão geral da história da medicina em Portugal, incluindo o papel de figuras proeminentes como Miguel Bombarda.

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