Podemos olhar para a linha do tempo da saúde de duas formas: pré-Covid-19 e pós-Covid-19, pois é seguro afirmar que a Covid nos mudou, mudou a nossa sociedade e transformou os serviços de saúde.
Todas as áreas da saúde no mundo sofreram uma enorme transformação e a telemedicina (que já existia, mas cuja credibilidade na ótica do utilizador poderia ser pouca) escalou imenso. Na verdade, o utilizador não tinha muita margem para dúvida, caso quisesse garantir a sua segurança, não é verdade?
Plataformas como o Google Meet, o Zoom, o Teams, entre outras ganharam outra dimensão: as reuniões de equipa podiam ser no conforto das mantas; as supervisões também… e as consultas começaram a também acontecer por estas vias. Vimos o mundo a mudar e os profissionais de saúde também. Criou-se uma flexibilidade para meios que se demonstraram eficazes, seguros e pertinentes.
Contudo, será que muda alguma coisa entre o presencial e o online? Entre qual dos dois deveremos optar? Leia e compreenda melhor como tudo acontece, pelo menos na área da psicologia.
Apesar de ainda não haver uma definição que reúna total consenso sobre a temática, de certo que já ouviu e/ou leu expressões como eHealth. Contudo, várias tentativas de definir o conceito de forma clara, consensual e completa têm vindo a acontecer nos últimos anos. Segundo Eysenbach (2001), a área eHealth é um “campo emergente da interseção entre os campos da informática médica, da saúde pública e do negócio/comércio, que inclui serviços e informações de saúde fornecidos ou facilitados através da internet e tecnologias relacionadas”. Já em 2005, a Organização Mundial de Saúde definiu o conceito de eHealth como “a utilização rentável e segura das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) para apoiar os diferentes aspetos relacionados com os cuidados de saúde, incluindo os serviços de saúde, a vigilância, a educação, bem como o conhecimento e a investigação”.
Assim, podemos compreender que as diferentes definições implicam o uso das TIC, que são, basicamente, uma mistura entre as tecnologias de informação (como um computador) e as telecomunicações digitais (como a internet).
Esta metodologia de trabalho permite um acesso mais global aos serviços de saúde, nomeadamente, permite acesso aos serviços de saúde por parte de clientes que se encontrem condicionados (por exemplo, com limitações físicas, localização geográfica, entre outras). Quantos de nós já não limitámos as opções de especialistas na área da saúde devido a contingentes como a localização? Ora, se antes queria um psicólogo, pois o conhecia por terceiros, mas o mesmo ficava longe da sua área geográfica e isso condicionava a sua disponibilidade financeira e, por isso, não optava por ele, hoje esse problema, na grande maioria dos casos, já não se coloca.
E quantos clientes não terão restringido as suas opções pois, por dificuldades físicas, não conseguiam chegar até ao 3º andar de um prédio, sem elevador, no centro de uma cidade? Agora, na grande maioria dos casos, esta problemática já não se coloca!
Claro que nem todas as áreas da saúde permitem esta modalidade, por questões óbvias (como necessidade de observação ou análise precisa e cuidada), mas a verdade é que a grande maioria já o permite. Nem que seja uma 2ª opinião, à distância.
A evolução da tecnologia veio tornar a saúde mais acessível e aumentar a igualdade dentro dos meios da saúde, tornando as oportunidades iguais para todos os utilizadores.
Contudo, sendo uma área tão recente, que ganhou, tal como já referido, outra dimensão com a pandemia, carece de (pelo menos, na Psicologia em Portugal) padrões bem definidos e rigorosos de orientação na prática e, na prática mundial, carece de uma sistematização de metodologias e conceitos. Por exemplo, os serviços de psicologia com recursos às TIC, em diferentes meios informativos, podem ter uma das seguintes designações: eMental Health; telepsicologia; ciberterapia; e-terapia; intervenções mediadas pelo computador/ web; terapia/ aconselhamento online; entre outros termos. Desta forma, apesar de parecerem todos sinónimos, alguns dos termos mencionados anteriormente referem-se apenas a subcampos da área da intervenção psicológica com recurso às TIC, o que provoca uma dispersão da informação, pelo uso de diferentes termos, por diferentes pessoas.
Apesar de serem várias as possibilidades de atuação com recurso às TIC (psicoterapia online, intervenção psicológica com recurso a programas de intervenção (neuro)psicológica computorizados, grupos de apoio online, ambientes de realidade virtual, entre outros) neste artigo, iremos focar-nos no mais básico: a consulta de psicologia online, por videochamada (síncrona).
Nestas situações, tal como na consulta de psicologia presencial, o processo terapêutico é estruturado e conduzido pelo terapeuta, sendo apenas afetado pelo tipo de “pistas visuais e comportamentais” que o mesmo recebe. Isto é, enquanto na consulta face-a-face a linguagem corporal (ou não-verbal) é rica, acontece constantemente e pode ser observada em tempo real sem limitações, numa consulta online o técnico fica limitado à observação das reações comportamentais e corporais das partes que consegue observar do cliente (normalmente dos ombros para cima). Isto pode condicionar e limitar a informação que o técnico consegue ter por parte do cliente e, assim, condicionar parcialmente a precisão da leitura das situações.
Outra das limitações que pode ocorrer é o setting terapêutico, ou seja, a qualidade de isolamento sonoro do local onde se encontra o cliente, o próprio local (pode ser incomodado? Não?), tem distrações (sim ou não), entre outras. Ou seja, enquanto numa terapia face-a-face o setting terapêutico é definido e determinado pelo técnico (dependendo do tipo de prática, claro), nas sessões online pode sair do controlo do mesmo. O que é sugerido é a explicação da importância do local onde o cliente se encontra durante a sessão online ao mesmo, com vista a desenvolver a autoconsciência do mesmo face ao tema, proporcionando ferramentas para uma melhor decisão.
Vários estudos têm sido conduzidos para perceber a eficácia deste tipo de intervenção, comparando à intervenção presencial, sendo os resultados, na sua generalidade, bastante positivos, pois em alguns casos verifica-se uma diferença não significativa da eficácia, noutros verifica-se uma diferença significativa para melhor. Contudo, há aspetos a ter em conta na hora de optar ora por um, ora por outro método. São eles:
- A relação terapêutica: normalmente, não é o local que determina a qualidade da terapia, mas sim a relação que se cria com o técnico. E essa normalmente, não sofre alterações pela metodologia da sessão (dependendo, claro, do cliente também). Se criarmos uma boa relação com o técnico, qualquer modalidade vingará;
- A motivação do cliente para a mudança: não há resultados se o cliente que procura o psicólogo, na verdade, não quiser mudar, ou não estiver motivado o suficiente.
A intervenção psicológica mediada pelas TIC apresenta, assim, inúmeras vantagens:
- Acessibilidade;
- Flexibilidade e conveniência (pois não é preciso conciliar disponibilidades, com duração de deslocações, por exemplo);
- Elevada adaptabilidade (as técnicas utilizadas, os instrumentos aplicados, etc. são facilmente adaptados às necessidades e limitações dos clientes);
- Estruturação;
- Monitorização mais próxima do progresso (por exemplo, com recurso a questionários online; testes adaptados);
- Privacidade e possibilidade de anonimato (e, assim, contornar o possível estigma sentido pelo cliente ao ser visto a aceder a um local com cuidados psicológicos);
- Baixo custo associado à prestação do serviço e elevado potencial de disseminação.
Claro que algumas destas vantagens são partilhadas com a intervenção face-a-face, mas não foram excluídas do presente artigo com vista a não levar o leitor a inferir conclusões erradas (“se não está aqui é porque o face-a-face neste aspeto é melhor”, como é o caso da monitorização).
Contudo, esta modalidade de intervenção carece de mais estudo e investigação, podendo apresentar vários desafios e limitações, que merecem ser ponderados na hora da decisão (quer por parte do técnico que avalia, quer por parte do cliente que procura o serviço):
- A falta de acesso a computadores/ telemóveis por parte de alguns utilizadores (por exemplo, adultos mais velhos);
- A baixa literacia informática dos clientes;
- A inacessibilidade da internet, ou a instabilidade da mesma (como se verifica em algumas partes do mundo);
- Os problemas comuns como dificuldades em iniciar sessões, aceder a links, etc.;
- O possível estigma do próprio técnico face a esta modalidade;
- Questões relativas à segurança, privacidade e confidencialidade (por exemplo, formas de gravação das sessões, o local onde as sessões decorrem, o acesso indevido de terceiros, entre outros).
Este último ponto torna-se o mais primordial de trabalhar e refletir, pois a confidencialidade e a privacidade são parte da razão que leva a uma boa relação terapêutica: este obstáculo deverá, o máximo possível, ser ultrapassado pelo técnico, através de medidas como:
- Assegurar que o cliente não grava as sessões e garantir que o técnico também não o fará;
- Garantir que tanto o técnico como o cliente estão em locais isolados e em que ninguém poderá interferir na sessão;
- Garantir que a informação fica circunscrita aos participantes da mesma (salvo, claro, implicações judiciais que justifiquem a quebra da confidencialidade).
Os técnicos deverão salvaguardar o cumprimento do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos (que também pode ser consultado por qualquer cliente, estando o mesmo publicado no site da Ordem dos Psicólogos Portugueses) tal como fazem em sessões face-a-face, bem como poderão guiar-se pelo Parecer 47CEOPP/2015 relativo à “alegada prática de psicologia nos media”.
Desta forma, no que concerne à eficácia e à estruturação do processo terapêutico não vemos grandes diferenças entre as diferentes metodologias (consultas online vs presenciais), mas cabe ao cliente compreender aquilo que melhor lhe convém, o que julga ser o melhor e mais vantajoso para si e, ao técnico que recebe o pedido, compreender se a metodologia é a mais eficaz ou se poderá ser limitadora da intervenção terapêutica.
Mariana Nunes
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