Reconhecer o Padrão

Chico Xavier, um nome que ecoa entre os que buscam respostas além do tangível.

Nascido em solo brasileiro (Minas Gerais, em 2 de abril de 1910), Francisco Cândido Xavier desafiou os limites da razão e tornou-se um dos médiuns mais célebres da história. O seu legado transcende as fronteiras do espiritismo, deixando uma marca inextinguível naqueles que se permitem questionar e explorar o desconhecido. Foi médium e escritor, impactando profundamente a comunidade brasileira, alcançando reconhecimento internacional.

Desde tenra idade, Chico Xavier exprimiu aptidões paranormais. Segundo biógrafos, a sua mediunidade teria-se-ia manifestado pela primeira vez aos quatro anos de idade. Xavier perdeu a sua mãe aos cinco. Na impossibilidade do seu pai o criar, ele e os seus oito irmãos, foram distribuídos entre familiares. Nos dois anos seguintes, Chico foi criado pela sua madrinha, Rita de Cássia, uma amiga da sua mãe. Os biógrafos relatam que Rita era impiedosa e que o tratava com impetuosidade. Ela afirmava que o “menino tinha o diabo no corpo”, usando punições físicas de extrema violência. Chico referia que os únicos momentos de paz que encontrava era quando comunicava com o espírito da sua mãe, com quem dizia ter contacto. Possivelmente, estes comportamentos estariam associados a um luto patológico. Afirmava ter visões e que ouvia vozes de espíritos, o que o levou a uma vida de dedicação à “mediunidade”.

Ele tornou-se conhecido por seu “dom” de psicografar, ou seja, habilidade de escrever ou produzir textos enquanto em transe ou conexão com entidades ou fontes espirituais. Durante a sua vida, estima-se que Chico tenha psicografado mais de 450 livros, transmitindo as mensagens de diversos supostos autores espirituais. A atividade paranormal de Chico Xavier gerou grande interesse e controvérsia na comunidade brasileira e internacional. Os seus livros alcançaram milhões de leitores e foram traduzidos para várias línguas, levando as suas mensagens espirituais a diferentes culturas em todo o mundo. As suas obras abordavam temas como amor, caridade, perdão, espiritualidade e a existência de vida após a morte. Muitos encontraram conforto e inspiração nas suas palavras, o que contribuiu para a sua enorme importância na comunidade brasileira e além. Chico Xavier foi uma figura carismática e humilde, dedicando a sua vida ao serviço dos outros. Ele distribuía gratuitamente os livros que psicografava, bem como as doações que recebia, usando a sua notoriedade para promover caridade e filantropia. Chico foi reconhecido como um exemplo de altruísmo e empatia, despertando a admiração e o respeito de muitos. A importância de Chico Xavier transcendeu os limites da comunidade espírita no Brasil. Ele tornou-se um símbolo de espiritualidade e esperança, conquistando o respeito de pessoas de diferentes crenças religiosas e influenciando o pensamento espiritual contemporâneo. A sua vida e obra também estimularam debates académicos e científicos sobre a natureza da mediunidade e a possibilidade da comunicação entre os vivos e os mortos.

A atividade paranormal de Chico Xavier foi investigada por cientistas, psicólogos e investigadores de diferentes países. Embora alguns se tenham mostrado absolutamente céticos, outros nem tanto. Estudos, como os conduzidos pelo médico e investigador Hernâni Guimarães Andrade, sugeriram que as psicografias de Chico Xavier continham informações precisas e detalhadas, muitas vezes desconhecidas pelo médium. A Psicologia, uma ciência que mergulha nas profundezas da mente humana, oferece algumas perspetivas paradoxais para a atividade dos médiuns. A dissociação, uma capacidade de separar a consciência em diferentes estados de funcionamento, pode ser uma chave para entender as manifestações mediúnicas.

Posso indagar que a morte precoce da mãe de Chico Xavier tenha potenciado um processo de dissociação como forma de defesa psicológica que pode ocorrer em resposta a eventos traumáticos, permitindo que a mente se separe da realidade dolorosa como sustenta Van der Hartet al., 2006 (relativamente à dissociação). O psicólogo William James também refere que as nossas possibilidades mentais são limitadas apenas pelas nossas crenças e os médiuns, com suas habilidades singulares, desafiam os limites da mente. O efeito da sugestão e da crença também desempenham um papel preponderante. Os médiuns, muitas vezes, acreditam genuinamente nas suas capacidades e essa crença profunda pode influenciar a própria perceção e interpretação dos eventos. Como o psicólogo Richard Wiseman afirmou, “a mente humana é incrivelmente sugestionável”. Portanto, aqueles que buscam a consulta de um médium, com as suas crenças enraizadas no paranormal, estão predispostos a aceitar as informações fornecidas, mesmo que vagas ou imprecisas. “A sugestão é um processo psicológico no qual uma pessoa influencia ou dirige o pensamento, o comportamento ou a perceção de outra pessoa”, explica Kirsch (1997). Como Raz et al., 2009 expõe, “a sugestão pode levar a alterações preceptivas e cognitivas significativas, influenciando a forma como uma pessoa experimenta e interpreta a realidade”.

Charles Tart, psicólogo, explorou estados alterados de consciência, dissociação e mediunidade sob uma perspetiva psicológica, procurando entender os processos mentais envolvidos. Ele propôs que esses estados podem ser compreendidos como diferentes formas de funcionamento da mente, onde ocorre uma alteração na perceção, na consciência de si mesmo e na experiência subjetiva. Tart descreveu a dissociação como um estado em que a mente se separa de certos aspetos da experiência ou da identidade, resultando numa fragmentação da consciência. Nesse estado, podem ocorrer fenómenos como amnésia, perda de identidade ou experiências dissociativas, onde a pessoa pode sentir-se desconectada do ambiente ou até mesmo vivenciar uma sensação de separação do próprio corpo. Ao estudar estes casos, Tart separou formas de funcionamento da mente, com variações na perceção, na consciência de si mesmo e na experiência subjetiva, emergindo a dissociação com a desagregação da mente em determinados aspetos da experiência ou identidade, resultando na fragmentação da consciência e possíveis fenómenos dissociativos. Mas, permitam-me desafiar os limites da razão por um momento.

Seria possível, mesmo nas fronteiras do método científico, que as habilidades mediúnicas fossem um vislumbre de algo além do que podemos compreender plenamente? Carl Jung, psicanalista suíço, argumentou que “a mente tem medo do que não pode entender”. Talvez os médiuns sejam apenas uma pequena janela para o vasto e misterioso universo da consciência humana. Assim como um antagonismo desafia a lógica, os médiuns desafiam a nossa compreensão ajustada do mundo. Eles convidam-nos a questionar, a explorar as profundezas inexploradas da mente e a considerar a possibilidade de que há mais entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. Afinal, como o psicólogo Carl Rogers afirmou: “O que é mais pessoal é mais universal”. Chico Xavier, com sua aura enigmática, personifica esse desafio ao ‘status quo’. A capacidade de psicografar mensagens de supostos outros planos desperta curiosidade, fascínio e, é claro, controvérsia. Ele convida-nos a mergulhar nas zonas mais sombrias da mente humana, a abraçar o incompreensível e a explorar respostas para perguntas que talvez nunca sejam satisfatoriamente respondidas.

Em 1981 e 1982 foi proposto ao prémio Nobel da Paz, tendo o seu nome conseguido cerca de dois milhões de assinaturas no pedido de candidatura e em 2012 ele foi eleito. “O Maior Brasileiro de Todos os Tempos”, num concurso homónimo realizado pelo Sistema Brasileiro de Televisão e pela BBC British Broadcasting Corporation. Chico Xavier faleceu aos 92 anos, mas o seu legado continua a ressoar dentro e fora do Brasil. A sua vida é um monumento ao poder da crença, da compaixão e da capacidade humana de transcender os limites da compreensão da mente e da espiritualidade e na diversidade de experiências que moldam a nossa saúde mental e jornada psicológica.