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SNS: um problema (também) para os mais jovens

Tempo de leitura: 4 minutos

Ao longo dos últimos anos temos testemunhado o deteriorar e o degradar das condições de atendimento e acompanhamento dos utentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Estamos perante uma situação grave e que revela a falta de resposta de uma instituição que tem como função assegurar e prestar cuidados de saúde dignos a todos os residentes e não residentes em Portugal. Mas o que é ainda mais preocupante é o impacto dessa situação na geração do futuro, a geração do amanhã, os jovens, que sentem “na pele” como isso afeta a sua vida pessoal, profissional e académica.

Durante o século XXI, e em especial nesta última década, temos vindo a assistir ao crescimento e ao eclodir de uma nova epidemia. Não, não falo da COVID-19, mas sim de uma epidemia silenciosa, que pode ser igualmente devastadora e mortal. Falo sim da problemática da saúde mental entre os jovens portugueses. Estamos perante uma crise em ascensão e os números não deixam margem para dúvidas.

Recentemente, um estudo da Associação Portuguesa da Clínica e da Saúde revelou que aproximadamente 20% dos jovens portugueses entre 15 e 24 anos enfrentam problemas de saúde mental, um dado preocupante que reflete o panorama atual. A situação piora quando consideramos os estudantes universitários. Segundo a Associação Nacional de Estudantes de Psicologia, quase metade dos estudantes universitários (48%) relata sintomas graves, incluindo depressão, ansiedade e burnout – uma estatística verdadeiramente catastrófica e calamitosa. Poderia estar a enumerar uma série de causas que nos levaram até este cenário negro e obscuro, mas deixemos esse tema para outra ocasião e foquemo-nos na ausência de respostas a este problema.

A resposta do SNS a esta crise é manifestamente desadequada e insuficiente, e há duas grandes lacunas que têm de ser urgentemente colmatadas e resolvidas: a falta de recursos humanos especializados no Serviço Nacional de Saúde e as longas e perpétuas listas de espera para acesso a uma consulta de especialidade, quer seja para psicologia ou para psiquiatria. Como é fácil entender e perceber, estas duas causas estão inevitavelmente interligadas e associadas entre si. Analisando os mais recentes dados da DECO PROTeste, o número de psicólogos e psiquiatras ao serviço da causa pública em Portugal é manifestamente inferior ao resto dos parceiros da OCDE e da União Europeia. O número médio de psicólogos por cada 5000 habitantes recomendado a nível internacional é de 1, sendo possível constatar que Portugal em nada cumpre estes requisitos, estando atualmente a média fixada em 1 psicólogo para 9700 habitantes, quase o dobro da média europeia. Infelizmente os números relativos aos profissionais da psiquiatria são igualmente desanimadores e diminutos. A nível internacional, novamente, é recomendado um rácio de 17 psiquiatras por 100.000 habitantes e o que vemos em Portugal mais uma vez? Uma falha grave no que concerne ao cumprimento desta norma. Estão neste momento disponíveis em média no nosso país, um irrisório e simbólico número de 13 psiquiatras por 100.000 habitantes. Com estes números que apresentei é fácil concluir o porquê das longas listas de espera que em muito ultrapassam o tempo desejável e aceitável de atendimento. Neste momento um doente muito prioritário adulto pode esperar até 97 dias para aceder a uma consulta da especialidade, enquanto a fasquia na psiquiatria infantil se situa nos 79 dias. Senhor Ministro da Saúde, Dr. Manuel Pizarro, falo directamente para si: Já pensou bem no caso de um jovem que esteja a frequentar o ensino superior, o que pode sofrer e perder durante quatro meses? Pode perder o mais importante de tudo, o seu futuro. E quando um jovem perde a hipótese de construir um futuro sólido e qualificado, perdemos todos. Perdemos enquanto país, perdemos enquanto sociedade e sobretudo perdemos enquanto nação, que necessita urgentemente de ser
rejuvenescida e valorizada.

Faço aqui um apelo ao Governo Português, para que não permita que a geração frequentemente apelidada de “mais qualificada de sempre” fique esquecida e caminhe para o abismo e para o precipício. Não precisamos de viagens na CP, nem de dormidas nas Pousadas da Juventude, precisamos de respostas a este problema urgente e crítico. É hora de reconhecer a gravidade desta crise, deixar de responsabilizar os utentes por esta situação e investir em prevenção, sensibilização pública e em recursos humanos robustos para fornecer uma resposta eficaz aos jovens e a todos os portugueses. O acesso ao tratamento de problemas do foro mental não pode ser um luxo e um privilégio, mas sim um direito que todos temos e o SNS tem que ser a base dessa resposta.

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Um comentário a “SNS: um problema (também) para os mais jovens”

  1. Avatar de Maria de Lurdes Santos Martins de Almeida Geria

    Artigo excelente, sintético mas pleno de conteúdo no que tem de premente em relação a um problema, que,começa a ser abordado mas, infelizmente, de forma lateral. E um problema que não toca um sistema que se interessa apenas por números de sucesso, que escondam problemas sérios e abaladores, como este da saúde mental, principalmente entre os mais jovens. Precisamos de mais gritos como este do João Nuno, que despertem para a realidade de um país que se afunda levado pelo fracasso do sistema na educação e na saúde.

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