Julgo que muito daquilo que é dado às nossas crianças e jovens, sob a capa de Pedagogia, está contaminado daquilo que no senso comum se apelida de lógica da batata.
Senão vejamos:
À mesma velocidade com que se desenvolvem os cogumelos, surgem por exemplo livros supostamente educativos, normalmente intitulados de “Manuais”, “Kits de sobrevivência”, ou “Faça você mesmo”. Os destinatários são os agentes educativos e os pais interessados, preocupados e curiosos em relação ao desenvolvimento dos seus filhos. Que os adultos se preocupem com as crianças, parece-me natural, para não dizer uma obrigação ética. Que o foco dessa preocupação não seja direccionado para pedagogia de qualidade, ou que essa preocupação resulte na aplicação universal de determinadas medidas, já me parece preocupante.
Não é possível educar todas as crianças com regras simples, fáceis de replicar e que se aplicam a todos de igual forma. Sobre este tema, basta analisar os estudos com gémeos para perceber rapidamente que isso não é possível.
Estas tendências surgem numa altura em que as sociedades ocupam cada vez mais o tempo de pais e crianças com tarefas e obrigações, deixando ambos desesperados e sem tempo para se conhecerem de forma íntima, essa sim a verdadeira ferramenta educativa, capaz de catalisar criatividade, aprendizagem e desenvolvimento social.
Assim, o dia a dia das crianças é demasiado ocupado, e os pais e agentes educativos funcionam de forma automatizada, porque estão atarefados e assoberbados, sem tempo para si mesmos.
Este é terreno fértil, onde se começam a desenvolver défices pedagógicos. Como não há tempo, não existe espaço para diálogo e conhecimento mútuo. Muitas vezes, por exemplo, pais e filhos são verdadeiros desconhecidos dentro da mesma casa. Fico sempre surpreendido e preocupado quando pergunto a uma criança qual é a profissão dos pais, e ela não me sabe responder. É neste terreno, onde tempo e disponibilidade escasseiam, que surgem determinadas regras dentro de casa, como, por exemplo:
- Estudar para ser alguém;
- Portar-se como um homenzinho;
- Cumprir tarefas porque é bom para o futuro;
- Brincar é coisa de crianças pequeninas;
- Deixar os pais em paz;
- Ser bom no desporto;
Estes são bons exemplos da realidade dos pais muitas vezes em desespero, sem tempo sequer para ouvirem o que dizem e que tentam a todo o custo ser pais perfeitos.
Mas, como todos os bons pais cometem erros, esta automatização da educação, baseada, muitas vezes, em supostos modelos de pedagogia, vendidos avulso e validados à força pelos veículos de comunicação, assentes no pressuposto básico de que as pessoas obedecem ou podem ser descodificadas através de manuais de instruções universais e aplicáveis a todos, tem contribuído muito para a crescente tentativa de transformar as crianças em adultos pequeninos, descaracterizados e padronizados e que nalguns casos, quando crescem e se tornam adultos, revelam-se imaturos, infantilizados, padronizados e à procura de manuais de instruções que lhes mostrem como solucionar os problemas típicos da vida adulta.
É um ciclo perigoso, que se pode repetir indefinidamente, correndo-se assim o risco de transformar as crianças em adultos em miniatura e os adultos em crianças pequeninas.
É por isso que na minha opinião, são necessários quilos de pedagogia, no sentido de combater a actual pedagogia aos quilos.
Rolando Andrade
Pintura de capa por Vincent van Gogh
Deixe um comentário