Considero a minha profissão fascinante.
Porquê? Uma parte desse fascínio está relacionado com a riqueza profissional e humana da Psicoterapia. Ser Psicoterapeuta permite-me todos os dias ter a oportunidade de escutar descrições incríveis das vidas das pessoas.
Isso permite-me ganhar consciência das vivências individuais, partindo essencialmente de duas perspectivas: a dos relatos tantas vezes angustiados de luta e sofrimento humano, mas também da diversidade, da capacidade de resiliência e superação individual e colectiva da espécie humana.
Penso que actualmente se olha para o sofrimento como algo de abstracto, que não se consegue definir claramente e que, de certa forma, tem sido banalizado pela massificação da informação. Isso desumaniza o sofrimento, como se associado a ele não existissem rostos, nomes ou identidades.
A verdade é que estas são vidas com protagonistas que muitas vezes sofrem ao longo de vários anos, tantas vezes em silêncio, e que se sentem perdidos, incompreendidos, vazios, negligenciados, abandonados, revoltados ou simplesmente alheados da realidade envolvente. A banalização do sofrimento que referi acima, na minha perspectiva, começa cedo na vida das pessoas, com o processo educativo. É-se educado para a felicidade e para o sucesso, quase como se, ao longo do percurso, não fosse também expectável uma certa dose de frustração e sofrimento.
Em consequência disso, as pessoas crescem com algumas ideias fantasiadas acerca da vida. Daqui resulta, por exemplo, o facto de muitos livros infantis começarem com a frase “Era uma vez”. Contudo, na Psicoterapia nunca assim é, nem tampouco se terminam processos de Psicoterapia com um “e foram felizes para sempre”.
Pelo contrário, a maioria dos pacientes começa com um silêncio, um olhar tímido, uma hesitação ou frases cortantes como por exemplo “sinto-me desesperado” ou “não sei que fazer”.
Verifico que, no que diz respeito à Saúde Mental, principalmente ao fim de longos anos de sofrimento, a linha que separa a pessoa da sua doença é muitas vezes ténue e subtil. Pode ser mesmo indecifrável.
“Sou doente” é a marca indelével que podemos encontrar em alguém que perdeu a sua identidade, que se sente estilhaçado e dominado pelo sofrimento. Nalgumas situações, parece já nem existir uma pessoa (criatura humana), mas sim uma identidade construída à volta de uma doença.
Esta é a cicatriz característica da desesperança, da rendição, da falta de forças, o grito de alguém que não vê para si um sentido ou direcção.
Contudo, tenho a certeza que todos têm algo que os liga à vida, ou não estariam à procura de ajuda. Todos procuram libertar-se de algum tipo de sofrimento, ter um sentido, recuperar sonhos, ou sentir que são ouvidos.
Há aqueles pacientes que “só querem falar”. Dei por mim a pensar na importância que pode ter para alguém sentir-se ouvido. Isso de certa forma, faz-nos presentes na vida dos outros e valida a necessidade que cada um tem de ser aceite e compreendido. No fundo, a maioria parece procurar aquilo que todos desejam, alguém que nos escute sem juízos de valor, preconceitos ou acusações.
É por tudo isto que para mim, cada sessão de Psicoterapia é como um capítulo de uma aventura fantástica.
Rolando Andrade
Pintura de capa por Louis-Jean-François Lagrenée
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