Jornadas Mundiais da Juventude: Entre a Fé, a Política e os Escândalos

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As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), “um encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa (…) uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil”[1], tem como objetivo atrair jovens para a Igreja, muito devido à contínua secularização. Feita de extremos, desde o forte peso da fé, até ao forte peso das cruzes de ouro a 1580€ na sua loja oficial. Esses extremos traduzem-se, obviamente, na opinião pública, que vai desde o apoio incondicional até à repulsa. Agradar a todos nunca fez parte do plano da Câmara de Lisboa, apesar de tal ser parte integrante do catolicismo. No meio de tantas opiniões, quase que nos esquecemos do objetivo político deste evento: melhorar Portugal. Talvez fosse necessário um referendo nacional ou pelo menos local (que em 49 anos de democracia, só 5 destes últimos foram realizados), de modo a garantir que um investimento deste tamanho (monetário e ideológico) fosse menos pantanoso para os contribuintes, pelo menos um bocadinho menos pantanoso do que o Parque do Tejo.

Esse hipotético referendo seria bastante interessante. Penso que a ideia passaria de igual forma, mas pelo menos era discutida em sociedade e a qualidade dos argumentos seria melhor do que o simples argumento “Há dinheiro para isto, mas não há para melhorar as condições de habitação do próprio país”. O mesmo aconteceu no Euro 2004 e mais recentemente nos Coldplay, em Coimbra, que tiveram um custo estimado para os contribuintes de cerca de 1 milhão de euros[2]. O que impediu os ativistas ecológicos e sociais de criticarem o concerto dos Coldplay? Talvez o investimento tenha sido demasiado pequeno comparado com as JMJ, ou então os ativistas estariam demasiado distraídos nas filas para o concerto, ou talvez tenha sido o facto do Chris Martin não ter abusado sexualmente nenhuma criança… Qualquer que tenha sido a motivação, os Coldplay geraram um retorno económico direto de 36 vezes o investimento do Estado, e prevê-se que as JMJ gerem pelo menos um retorno de 10 vezes. Racionalmente e de forma puramente capitalista, qualquer evento que dê um retorno desta magnitude deve ser realizado. Ponto. No entanto, isso significa pôr de lado questões éticas e ideológicas. O que fazer com os escândalos sexuais e financeiros? Como país, organizar este evento significa o quê perante estes escândalos? Seremos coniventes? Este é um enorme argumento por parte dos ativistas sociais, que garantidamente não estarão a utilizar iPhones para fazer as suas reivindicações sociais, dado que a Apple usou trabalho infantil na sua linha de montagem[3]. Garantidamente…

A existência desta hipocrisia não descura o erro da Igreja. Falharam como instituição. Mas será que devemos erradicar os iPhones? Aqui entra a luta entre a moralidade e a possibilidade, assim como o conceito de pós-materialismo de Ronald Inglehart[4]. O pós-materialismo de Inglehart sugere que os valores de uma sociedade se transformam de materialistas (i.e., com o foco em atingir necessidades materiais básicas como segurança económica, comida, abrigo, estabilidade laboral, etc.) em pós-materialistas (i.e., com o foco em autonomia individual, qualidade de vida, direitos humanos e problemas ambientais) à medida que a sociedade evolui economicamente. Exemplificando: alguém na classe baixa não vai estar a pensar moralmente quando compra um carro; alguém que conta os cêntimos ao final do mês não vai pedir um empréstimo para comprar um Tesla só para poupar o ambiente (ou pelo menos não devia). Isto serve de analogia a Portugal. O nosso país está bem melhor economicamente, mas ainda está na cauda da Europa[5]. Ainda contamos os cêntimos ao final do mês, e as JMJ são uma oportunidade de gerar cerca de 50 milhões por dia. Quais escândalos? Qual moralidade? Daqui a 7 dias teremos os bolsos cheios, talvez aí possamos melhorar o país. Este argumento cairá por terra se os nossos governantes não gerirem bem o retorno deste investimento, mas, até lá, não há moralidade que nos pare.


[1] JMJ Lisboa 2023. (n.d.). JMJ 2023. https://www.lisboa2023.org/pt
[2] Lusa. (2023, April 12). Coimbra votou a favor de apoio de 440 mil euros à promotora dos Coldplay. Expresso. https://expresso.pt/blitz/2023-04-12-Coimbra-votou-a-favor-de-apoio-de-440-mil-euros-a-promotora-dos-Coldplay-debd6428
[3] Sonnemaker, T. (2021, January 2). Apple knew a supplier was using child labor but took 3 years to fully cut ties, despite the company’s promises to hold itself to the “highest standards,” report says. Business Insider. https://www.businessinsider.com/apple-knowingly-used-child-labor-supplier-3-years-cut-costs-2020-12
[4] Inglehart, R. (1977). The Silent Revolution: Changing Values and Political Styles Among Western Publics. Princeton University Press. http://www.jstor.org/stable/j.ctt13x18ck
[5] Alexandre, L. (2022, March 23). Portugal’s GDP per capita is 7th lowest in the EU. ECO News. https://econews.pt/2022/03/23/portugals-gdp-per-capita-is-7th-lowest-in-the-eu/

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