Zeca Afonso:  A dimensão Psicológica do Livre-Arbítrio e a Resistência Musical no Aniversário do seu Nascimento

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Têm os humanos tantas vidas quantas consigam ter? Uma pergunta intrigante que nos leva a refletir sobre o paradoxo do livre-arbítrio e a dimensão psicológica das escolhas que fazemos ao longo da vida. Neste contexto, é impossível não mencionar um nome que se tornou um ícone da liberdade, da música e da resistência política em Portugal: Zeca Afonso que faria hoje 94 anos. “A psicologia pode ensinar-nos muito sobre os fatores que influenciam as nossas escolhas, mas ainda assim, há um lugar para a autodeterminação e a responsabilidade individual” Albert Bandura, psicólogo social. 

Zeca Afonso, cujo nome de batismo é José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, nasceu a 2 de agosto de 1929 em Aveiro, Portugal. Ele foi um dos grandes nomes da música de intervenção e desempenhou um papel fundamental na resistência ao regime ditatorial do Estado Novo, liderado por António de Oliveira Salazar. Através da sua música, Zeca Afonso expressou corajosamente as suas opiniões políticas e sociais, enfrentando a censura e a perseguição por parte do governo. As suas letras poderosas e melodias cativantes tornaram-se hinos de liberdade e esperança para uma geração que ansiava por mudança, por escolher o seu “destino”. Sendo o destino tendencialmente o oposto do livre-arbítrio, uma vez que castra a decisão e acolhe o conformismo considero que o livre-arbítrio é a capacidade de fazer escolhas que estão alinhadas com os nossos valores e objetivos, mesmo quando somos influenciados por fatores internos e externos. No entanto, ao examinarmos a vida de Zeca Afonso, somos confrontados com o paradoxo do livre-arbítrio. Será que as escolhas que ele fez foram realmente livres, ou foram moldadas pelas circunstâncias históricas e políticas da época? Será que ele teria seguido o mesmo caminho se tivesse nascido num tempo e lugar diferentes? É interessante observar que Zeca Afonso começou a sua carreira musical como um cantor de baladas tradicionais e de fados, antes de se envolver nas lutas estudantis e abraçar a causa da liberdade. Foi a partir desse momento que ele encontrou a sua voz como músico de intervenção, compondo canções que denunciavam a opressão e inspiravam a resistência.

No entanto, poderíamos argumentar que a própria situação política da época influenciou a sua trajetória. A repressão do regime ditatorial despertou nele um sentimento de indignação e uma vontade de lutar por justiça. Talvez se tivesse vivido num período de paz e estabilidade política, a sua música teria tomado um rumo completamente diferente. “Embora o homem não possa criar circunstâncias na sua vida, ele pode escolher a sua atitude em relação a elas” – Viktor Frankl, psicólogo e fundador da logoterapia.

O paradoxo do livre-arbítrio reside no facto de que, embora acreditemos que somos agentes livres e capazes de fazer escolhas, as circunstâncias e as pressões sociais muitas vezes moldam as nossas decisões de forma inconsciente. 

Zeca Afonso pode ter sido impulsionado pelas circunstâncias históricas a abraçar a causa política, mas é inegável que ele também teve coragem e determinação para enfrentar as consequências das suas escolhas. Ao examinarmos a dimensão psicológica deste paradoxo, torna-se claro que as escolhas que fazemos são influenciadas por uma série de fatores, como a nossa educação, as nossas experiências passadas e as nossas crenças pessoais. Embora a liberdade de escolha seja um valor fundamental, é importante reconhecer que nem sempre somos totalmente livres para fazer escolhas desvinculadas do contexto em que vivemos. A expressão individual, seja por meio da música, da arte ou de outras formas criativas, desempenha um papel significativo na saúde mental e no bem-estar emocional. Para indivíduos que vivem em contextos de opressão, encontrar uma forma de expressar os seus ideais e lutar pela sua liberdade pode ser uma fonte de empoderamento e resistência psicológica. 

A música pode ser uma forma influente de comunicação e conexão emocional. Ao utilizar a música como veículo para transmitir as suas convicções e mobilizar outros indivíduos para a luta pela liberdade, Zeca Afonso encontrou um modo de impactar tanto a si mesmo quanto aos outros. Tal expressão criativa pode proporcionar uma sensação de propósito e significado, fortalecendo a resiliência emocional e a determinação em face de adversidades. O paradoxo do livre-arbítrio em escolhas, lembra-nos que embora tenhamos certa autonomia para decidir o nosso caminho, não estamos completamente ilhados do mundo que nos rodeia. As nossas escolhas são influenciadas pelas nossas experiências, pelas pessoas que encontramos e pelos eventos que testemunhamos.

Ao contemplar a vida de Zeca Afonso, podemos encontrar inspiração para enfrentar os nossos próprios antagonismos. Mesmo que o livre-arbítrio seja um conceito complexo e, por vezes, antinómico, devemos continuar a procurar a nossa liberdade de escolha e a tomar decisões que estejam alinhadas com os nossos valores e aspirações. Assim como Zeca Afonso encontrou na música sua forma de expressão e resistência, cada um de nós tem a capacidade de descobrir os nossos próprios caminhos para enfrentar os desafios da vida e promover a saúde mental. A psicologia ensina-nos que a busca por uma existência significativa e autêntica é essencial para o bem-estar psicológico. Por meio da arte, do ativismo, do trabalho ou de outras formas de contribuição para a sociedade, podemos encontrar um propósito que alimente a nossa esperança no futuro. Ao escolhermos conscientemente como nos envolver com o mundo, exercemos o nosso livre-arbítrio e assumimos a responsabilidade pelas nossas ações. Ao seguirmos os passos de Zeca Afonso, reconhecendo as nossas competências, interesses e paixões, podemos encontrar meios genuínos de contribuir para o mundo e assim fortalecer a nossa saúde mental. Assim, nutrimos a esperança no futuro, pois sabemos que as nossas ações têm o potencial de impactar positivamente não apenas a nós mesmos, mas também as gerações futuras. Dessa forma, a conexão com a psicologia, a saúde mental e a esperança no futuro, residem no reconhecimento da nossa capacidade de escolha, de encontrar significado e de deixar um legado através das nossas ações, assim como Zeca Afonso fez por meio da sua música e do seu compromisso com a liberdade.

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