Estamos habituados a falar do trabalho como quem está a falar do emprego. “Tenho de ir trabalhar” é, no fundo “tenho de ir para o local onde faço determinado trabalho pelo qual ganho o meu ordenado”.
A maior parte da nossa vida quotidiana é em assuntos relacionados com o emprego. Para melhor compreender esta afirmação, basta pensar, caro leitor, na ideia de excluir tudo aquilo que na sua vida do quotidiano não diz respeito, directa ou indirectamente, ao seu emprego. Determinada coisa que fez, quanto mais não seja estar a falar com determinada pessoa, surge ou não, de forma directa ou indirecta, do seu emprego?
Muitas vezes, não dá vontade de acordar e “ir para o trabalho”. Não dá vontade de sair da água do mar, para voltar a vestir o “suit” e encarnar a persona do trabal…err.. emprego.
E se, eventualmente, estamos a falar das coisas de forma, diria, errada, e uma mudança na forma de entender e comunicar esta ideia do trabalho e do emprego, ajudasse o leitor, emocionalmente e cognitivamente, para viver com menos ansiedade e stress? Não pretendo descobrir uma “mágica” para resolver estes problemas, apenas questionar e reflectir mas, não descarto a possibilidade de que esta imagem possa contribuir para melhorar algumas percepções.
Este meu texto é a minha argumentação e ao mesmo tempo, tese, sobre a natureza do trabalho e a forma como a entendemos. Tão resumidos quanto possível, visto que é um artigo de opinião e não um livro.
Gostaria de começar com uma pergunta: na essência, porque trabalhamos? Surge-me outra, na verdade: o que é, concretamente, trabalhar?
“Então… trabalho porque preciso de pagar as contas! Onde está a dúvida, a questão?”
“Trabalhar… é fazer um actividade. Nesse contexto que falas, é uma actividade para ganhar dinheiro! Não te entendo…”
Então eu pergunto ao leitor, se tivesse o dinheiro que necessita para pagar as suas contas, ir de férias, ajudar amigos, filhos e família financeiramente e tudo mais, deixaria de trabalhar? Suspenda esta reflexão e venha comigo para algo bem mais simples, para já: a célula. Concorda comigo que uma célula precisa de trabalhar para se alimentar e reproduzir? Como uma célula faria isto, se não realizasse mecanismo nenhum para se alimentar e para se reproduzir? Qualquer célula precisa de trabalhar para fazer estes dois processos. E, na verdade, para trabalhar, precisa de outra coisa: energia. Como é possível trabalhar sem energia? Consegue trabalhar sem energia? (dependendo da situação, a energia que dispõe pode dar para fazer o trabalho minimamente bem, é certo). Este raciocínio coloca-nos num ponto em que, acredito, percebemos que nada do que fazemos, seja a célula seja o grande sistema de células que é o leitor, consegue sobreviver sem trabalhar e sem energia para trabalhar. Por outro lado, temos o objetivo do trabalho: para o leitor são, entre desejos e vontades de realizar determinadas coisas (e sustentá-las), as suas necessidades básicas. Mas repare, até para ir de férias, com a sua família, para aquela ilha paradisíaca, precisa de fazer várias atividades: arrumar as coisas, viajar, acomodar-se, ir para a praia, nadar, etc.
Agora, questiono: somos obrigados a trabalhar?
O leitor, eventualmente, poderá dizer “claro!! Eu tenho que trabalhar, senão… já sabes.”
Vamos focar-nos no “tenho”. Porque tem? O que dita que “tem”?
Há alguma autoridade que esteja a obrigar a esse trabalho? Uma pessoa só precisa de se esforçar (usar a energia que tem em prol de tal trabalho), por uma questão de autodeterminação e autopreservação. Isto é, ninguém é obrigado por “decreto lei”(moralidade) a esforçar-se. Se tenho o que preciso para fazer a minha vida, porque tenho que me continuar a esforçar para trabalhar mais? Haverá, certamente, motivos que me possam levar a fazê-lo. Mas a questão é, se eu estou satisfeito, qual é a agência que decreta que tenho de continuar?
Voltemos ao caso do emprego (trabalho, pelo qual ganho dinheiro, para usar esse dinheiro para as coisas que preciso e desejo, na minha vida).
Se o leitor estiver com outras pessoas e todas elas precisam de satisfazer as suas necessidades, elas irão precisar de recursos para satisfazer as suas necessidades. No caso, poderá acontecer haver recursos para todos, em abundancia e o leitor poderá “picar” os recursos que precisa. Parece-me, deste modo simples, uma relação simples entre necessidade e oferta. Além disso, temos o trabalho (e o esforço! Não esquecer) de adquirir os bens. Mas imagine que os recursos disponíveis não dão para todos. Nesse sentido, o leitor terá de entrar em competição pelos recursos existentes e, nesse caso, estará envolvido em dois trabalhos: o de encontrar estratégias para levar a melhor, perante os seus “oponentes” e o trabalho de processar, digamos assim, os bens que adquiriu. Logo que esteja satisfeito, poderá abrandar o seu esforço e voltar a um estado de maior tranquilidade (ou eventualmente não, caso sinta agora a necessidade de proteger os seus bens adquiridos de ladrões – conceito de propriedade privada).
Em resumo, destas curtas linhas, percebemos que posso lutar por recursos sem que isso signifique privar o outro dos seus. A lógica da escassez, que alimenta a competição feroz, é muitas vezes uma narrativa ideológica que mascara a abundância potencial ou a cooperação possível. O que está em jogo, portanto, é a liberdade de decidir quando e porquê me esforço. A moralidade social tende a transformar o esforço em virtude universal — “quem não trabalha, não merece” — como se fosse sempre legítimo obrigar os outros a competir. Mas quando se olha para o esforço a partir da autodeterminação, ele deixa de ser mandamento e passa a ser estratégia: um movimento consciente de mobilização da energia individual para alcançar algo que se reconhece como necessário ou desejável. Podemos concluir que o trabalho não é uma virtude. Tudo o que é vivo, orgânico, não está isento de trabalho. Não há virtude numa célula realizar o seu trabalho e utilizar a sua energia para realizar esse trabalho. Ela simplesmente o faz, pelo algoritmo que está inscrito em todos os seres vivos.
O trabalho também não é uma obrigação na medida em que essa autoridade é imposta externamente. Cabe ao indivíduo definir o quanto e o como precisa de trabalhar para obter aquilo que pretende obter. Estamos, obviamente, sujeitos ao meio ambiente e a todas as suas dinâmicas. Nesse sentido, podemos imaginar todo o trabalho que realizamos em diversas áreas da vida de forma a organizar a vida para a ganhar os frutos do trabalho, para sustentar aquilo que precisamos de sustentar. No entanto, o meu argumento aqui, é que temos também a possibilidade de definir as nossas estratégias para simplificar ao máximo a gestão entre gasto energético, quantidade de trabalho e o que beneficiamos disso.
Em última análise, podemos escolher aceitar que, para sustentar tudo o que queremos ter e fazer, temos de trabalhar, e muito! Temos de gastar muita energia para fazer esse trabalho. O que é, sejamos sinceros, completamente legítimo! O que não podemos fazer, moralmente falando, é colocar o outro a fazer um trabalho e a gastar uma energia que ele não deseja, em prol das nossas fantasias, chamemos-lhe assim.
Voltando a centrar o texto, porque sinto que “viajei” um pouco, a ideia deste texto e o argumento centram-se, lá está, na ideia de que o trabalho não é uma coisa boa ou má, por si mesmo. Como disse anteriormente, o trabalho é algo que faz parte de tudo o que é vida, para se autopreservar.
Parece, a mim, é que os nossos desejos, ambições, necessidades e tudo o que diz respeito ao Self (questiono muito este conceito, mas fica para outro dia), requerem energia e trabalho, muitas vezes, em grandes quantidades. E muitas vezes, vai para além do que entendemos por aquilo que é trabalhar para a autopreservação. Para mim, autopreservação é ter as condições essenciais para me alimentar, fazer a minha higiene, bem como aquilo que preciso para escrever estes textos. Eu não preciso, por exemplo, de um iate, para me alimentar ou escrever textos.
Mas é perfeitamente legítimo que o leitor sinta a necessidade de um iate, para o seu sentido de autopreservação. Na verdade, não está a autopreservar apenas o seu corpo biológico, mas também o seu Self. Isto porque não precisa de um iate para alimentar o seu corpo. Mas talvez precise para alimentar o seu Self. O trabalho é um dos motores primários que gera a vida, que gera interações, que gera conhecimento e, digamos, “progresso”. Por isto, quando o leitor “vai para o trabalho”, na verdade, o leitor vai “fazer uma tarefa para ganhar dinheiro para obter tecnologia para pagar os seus bens e serviços”. Quando se olha para o esforço a partir da autodeterminação, ele deixa de ser mandamento e passa a ser estratégia: um movimento consciente (no caso humano) de mobilização da energia individual para alcançar algo que se reconhece como necessário ou desejável.










































































































