Não é novidade nenhuma que o problema da habitação existe em Portugal. O que muitas vezes é esquecido é que este problema é global. E digo esquecido porque toda a gente facilmente culpa a imigração, ou a falta de casas, bem como as vazias, ou os vistos gold, ou os políticos, entre outras coisas, mas toda a gente se esquece do mais importante: o papel dos bancos.
Este não é um mercado em que o problema se resolve ao aumentar a oferta. Até porque, quem vier apresentar um gráfico de oferta e procura, claramente não sabe como a economia funciona. É preciso perceber como é que o sistema monetário funciona (incluindo as contas públicas), é preciso conhecer o papel dos bancos, e só depois se avaliam as características do setor que queremos influenciar.
Em relação ao sistema monetário, é preciso perceber que, quando o governo tem défice orçamental (gasta mais do que recebe), está a valorizar o setor privado (população e empresas, não incluindo bancos). Ou seja, quando o estado fica negativo, todos nós ficamos positivos (com mais dinheiro no banco). A criação da moeda acontece quando as contas públicas ficam negativas, o que só é viável no governo porque é a única entidade com poder de criar a própria moeda e ter capital próprio negativo sem estar em falência técnica.
Relativamente aos bancos, o que muitas vezes circula na cabeça das pessoas e nas redes sociais é o modelo de reservas fracionárias, que não existe, e não é praticado atualmente.
A explicação mais utilizada é: quando depositas 1 000 euros no banco, ele mantém 100 euros na tua conta e empresta os outros 900 euros, mantendo os 10% de reservas, obrigatório por lei. Este processo multiplica-se e quando ele empresta estes 900 euros, cobra juros. Estes juros seriam o lucro do banco e o dinheiro criado. Neste modelo, visto que dos teus 1 000 euros só podes gastar 100. Claramente consegues gastar os 1 000 mil, mas isto significa que existe alguém com imenso dinheiro na conta, ou várias pessoas, que não poderiam gastar tudo visto que o banco precisa dele para o emprestar. A criação de massa monetária não aumenta o poder de compra, visto que o dinheiro que é criado é o lucro do banco. Isto é errado e não funciona assim.
Sempre que um empréstimo é feito, esse dinheiro é criado. Este processo é o que faz a massa monetária crescer.
Com este enquadramento, voltemos ao tema da habitação: se o número de casas não aumentar e os compradores tiverem mais poder de compra, os preços sobem. Faz sentido, certo? Agora o que a maior parte dos economistas e políticos que pensam nestas soluções desconhecem (ou não querem conhecer), é que se o banco empresta mais facilmente dinheiro, aumenta automaticamente o poder de compra das pessoas. E como nós sabemos, as casas demoram pelo menos dois anos a serem construídas. Para o banco financiar 80, 90 ou 100% de uma habitação basta uma medida passada no governo e está resolvido. Ou seja, nunca vai ser possível, num mercado como o da habitação, estimular a oferta de uma forma que os preços estagnem ou baixem. É matematicamente impossível.
Isto sem contar com os incentivos do lado das gerações mais antigas, que por norma têm o seu valor monetário todo em casa e, por isso, não querem que o preço desça. Com isto, temos de atacar o problema do lado da procura (restrição de crédito).
Para mim, o objetivo é simples: que o preço da habitação volte a níveis razoáveis, olhar sempre para o preço das casas relativo à mediana do salário em Portugal. Claro que também é preciso pensar nisto: uma pessoa que receba salário mínimo merece ter uma casa para viver. Agora, claramente, não vai viver num apartamento de luxo ou algo que se pareça.
Com este objetivo em mente, sinto que há várias soluções que se possam pôr em prática:
• Restrição de crédito (acabar com financiamentos a 100, 90 ou 80%), de forma a fazer com que os preços das casas desçam, ou pelo menos estagnem;
• Regular os bancos na quantidade de dívida privada que podem emitir (porque é criação de dinheiro e maior parte acontece em créditos à habitação);
• Incentivar à construção de infraestrutura, habitações e comércio fora dos centros, de forma a conseguir diluir o preço da habitação pelo país (para não acontecer o que acontece agora, em que os preços nos centros são impossíveis para qualquer pessoa e na periferia da cidade é tudo mais barato, mas não existem hospitais, restaurantes, centros comerciais, farmácias, entre outros). Este incentivo pode ser atingido em parcerias público-privadas, com o público a financiar 80% de uma obra e o privado os restantes 20%, e distribuição de lucros dos estabelecimentos para o privado (porque todo o superávit governamental leva à pobreza do setor privado, incluindo a população).
Se pensarmos em soluções e estivermos a par de certas coisas (como o sistema financeiro), não caímos nas armadilhas dos políticos que são distribuir a culpa e apresentar zero soluções, ou “soluções” como financiamento a 100%. Temos de nos informar, e se não sabemos resolver o assunto por falta de conhecimentos ou porque não nos queremos informar, devemos admitir o erro. É preferível admitir que não se percebe do assunto do que assumir uma opinião como atribuir culpa à imigração e dao poder de compra que vem de fora, sem perceber como é que o mundo funciona, especificamente o da habitação.
Ainda ficou muito por dizer e existem muitas formas de ajudar a resolver o problema. Mas fica para outro dia, porque não cabe tudo numa folha branca.
































































































