Estado Social: o corpo e o ambiente

"O primata humano nunca gostou de mudanças radicais, seja no ambiente à sua volta, seja em si mesmo. Estamos programados, evolutivamente falando e independentemente das crenças, para autopreservação...

Tempo de leitura: 4 minutos

Porque as mudanças estruturais de um Estado Social não devem ser feitas de forma radical?

Podem ser feitas dessa maneira? Sim! Devem ser feitas dessa maneira? Vou tentar argumentar por que não devem.

O primata humano nunca gostou de mudanças radicais, seja no ambiente à sua volta, seja em si mesmo. Estamos programados, evolutivamente falando e independentemente das crenças, para autopreservação. É um facto. Não é opinião para agir conforme o ambiente e, à medida que o ambiente vai mudando, vamos adaptando-nos a essa mudança.

Ora, as mudanças no ambiente não acontecem de forma radical. A natureza, per si, não muda radicalmente. Não estamos a falar de hoje estar Sol e amanhã estar chuva. Mas estamos a falar, por exemplo, nesta altura do ano, em que as temperaturas mudam e muitas pessoas sentem essas diferenças. O corpo não gosta e reage, de formas que não gostamos.

Serve esta introdução para argumentar que a manutenção de um Estado Social saudável depende fortemente da saúde emocional (leia-se, confiança) dos indivíduos e instituições que o compõem. 

Mais do que o estado da economia, educação, saúde, política e de todas as disciplinas que compõem o tecido das instituições, o facto primordial é o facto psicológico. 

Para se entender isto melhor, basta imaginar o Estado Social como se fosse um corpo, que o é, na verdade. Um corpo humano. Um indivíduo.

Como pode este indivíduo ser saudavelmente funcional, em todo o seu corpo (corpo-em-si e cérebro – gerando a mente e consequentemente, a consciência), se estiver constantemente num ambiente diferente? Eu sei que há pessoas que gostam de estar em ambientes diferentes “a toda a hora”. Mas não é disto que estou a falar.

Estou a falar do corpo não conseguir responder minimamente à mudança constante dos princípios fundamentais de funcionamento do ambiente interno e externo. Isto gera um colapso no corpo (corpo-em-si e mente) e, consequentemente, emocional e psicológico.

Até aqui, faz-lhe sentido?

No entanto, este corpo (de pessoas – Estado Social) não precisa que todos trabalhem da mesma forma, que pensem da mesma forma e que tenham todos as mesmas experiências de vida. Na verdade, a melhor coisa que pode acontecer para este corpo é a pluralidade de pensamento, de ideias, de formas de estar. Só assim o eixo da expansão (se assim se desejar) se expande. Lá está, trata-se da ideia de que o sistema, para ganhar maturidade, precisa de ser sujeito a exercícios de tensão para se desenvolver e ganhar resistências. Explico melhor isto num próximo ensaio.

Esta pluralidade de que falo acima precisa de ser manifestada de forma calma e respeitosa, entre os milhares de indivíduos que constituem este corpo.

Para se gerar confiança no Estado Social, é preciso que tudo isto aconteça. Senão, o que irá acontecer é justamente aquilo que observamos agora: polarização, ódio, difamação e agressão. E tudo isto nada mais é do que o produto de algo muito simples: medo.

Como falei no início do texto, para haver prosperidade a nível da economia, educação, saúde, política e tantas outras disciplinas, é preciso haver confiança.

Foi a confiança um dos principais motores da coesão social, que permitiu o primata humano chegar onde chegou. Confiar não é concordar. Confiar é saber que me posso manifestar sem precisar de atacar o outro, fisicamente ou verbalmente.

São precisas mudanças estruturais no Estado Social em Portugal? Sim, sem dúvida! Devem ser feitas de forma radical? Talvez… não?

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A esticar a corda desde 1986, nascido em Coimbra. Nos últimos dez, através da Filosofia e Psicologia, tento entender os mecanismos de funcionamento entre os corpos e ambiente.

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