Nos lares portugueses, tornou-se prática comum retirar aos residentes responsabilidades que, ao longo da vida, deram sentido à sua existência: tomar a própria medicação, tratar da roupa, cuidar da higiene, organizar a casa, preparar as refeições. Tudo lhes é substituído, como se, ao entrar numa instituição, perdessem também o direito à sua autonomia.
Mas viver num lar não é – nem deveria ser – viver num hotel. E, no entanto, é esta a imagem que muitas vezes impera: um espaço onde tudo é feito para a pessoa idosa, e quase nada é feito com ela.
Ao substituir integralmente e sistematicamente a pessoa idosa, retira-se-lhe também algo ainda mais valioso: o sentimento de utilidade. E é precisamente essa sensação que nos mantém vivos. Sentirmo-nos necessários para algo ou alguém é o que dá propósito e que nos motiva a cada dia.
Tomemos como exemplo a dona Lurdes (nome fictício). Durante toda a vida cuidou da casa e da família. Era esse o seu propósito, a forma como se sentia realizada e útil. Ao dar entrada num lar, disseram-lhe que já não precisava de se preocupar com nada. Mas, ao afastarem-na das responsabilidades que sempre foram suas, também lhe retiraram o sentido de identidade e utilidade.
Um lar verdadeiramente humano deveria fazer o oposto: identificar as competências, gostos e experiências de cada residente e valorizá-los. Seria um espaço onde os idosos, independentemente da sua condição física ou cognitiva, continuassem a ter tarefas, responsabilidades e oportunidades de participação ativa.
Não falamos de utopia. O Japão, por exemplo, mostra que é possível conciliar segurança com autonomia. Lá, os residentes podem sair livremente, com sistemas de aviso que protegem a sua integridade, e são incentivados a colaborar em pequenas tarefas do dia a dia – desde dobrar roupa a preparar refeições. Continuam a sentir-se parte, em vez de se sentirem descartados.1
Portugal poderia e deveria caminhar nessa direção. Em vez de confinar os nossos idosos à passividade, à tristeza e à perda acelerada de capacidades, poderíamos oferecer-lhes algo mais valioso: um fim de vida com dignidade, propósito e esperança.
A questão é simples: queremos lares que apenas prolonguem a vida ou lares que valorizem a vida até ao fim?