Tempo para viver: um direito político

O tempo roubado não é igual para todos. Políticas de mobilidade sustentável, de teletrabalho regulado, de descentralização das cidades não são luxo: são justiça temporal.

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Chegas a casa tarde. O dia já acabou e não foste tu a vivê-lo: foste apenas a engrenagem que o manteve a girar. O tempo esvaiu-se no trânsito, em reuniões intermináveis, na pressão de produzir mais em menos horas. Quando reparas, não resta espaço para estar com os teus, para respirar, para existir. Mas desde quando aceitámos que viver fosse isto?

Chamam-lhe normalidade: trabalhar quarenta ou mais horas semanais, perder duas no trânsito todos os dias, regressar exausto. E, no fim, ainda ouvimos que “é a vida”. Não, não é a vida — é um modelo económico que devora o que temos de mais precioso: o tempo. A obsessão com a produtividade sequestrou a vida das pessoas. O tempo de descanso, de lazer, de família, de comunidade foi transformado em luxo, reservado a poucos. O que sobra é cansaço, isolamento, silêncio.

Não é utopia imaginar outra forma de viver. Países que experimentaram a semana de quatro dias mostraram que as pessoas vivem melhor, adoecem menos, trabalham de forma mais concentrada e criativa. O tempo liberto não é ociosidade: é tempo devolvido à vida — cuidar de filhos, estudar, fazer voluntariado, simplesmente existir sem pressa. Reduzir a semana laboral não é apenas uma medida económica. É um ato político: a afirmação de que a vida vale mais do que a produção incessante.

E há ainda o tempo perdido nas deslocações. Há quem passe duas, três horas por dia a ir e vir do trabalho. Horas que podiam ser de convívio, de cuidado, de descanso evaporam-se em filas de trânsito ou transportes sobrelotados. E, como sempre, a desigualdade pesa mais nos mesmos: quem vive longe dos centros urbanos, quem não pode pagar rendas próximas do emprego, quem depende de transportes públicos lentos. O tempo roubado não é igual para todos. Políticas de mobilidade sustentável, de teletrabalho regulado, de descentralização das cidades não são luxo: são justiça temporal.

Ter tempo, porém, não basta. É preciso ter onde o investir. O bairro com praças vivas, a associação cultural, o clube desportivo, a cooperativa de consumo — espaços que criam laços, onde a vida ganha densidade. Sem tempo, não há comunidade. Sem comunidade, não há democracia. O “tempo para viver” é também tempo para estar com os outros, para participar, para construir um comum que nos sustente.

O tempo é político. Quando uma sociedade organiza a vida de forma a que as pessoas não tenham tempo para viver, essa sociedade fracassa na sua função mais básica: permitir que se viva com dignidade. A semana de quatro dias, a redução do tempo de deslocação, a criação de comunidades de pertença não são apenas reivindicações laborais ou urbanísticas. São exigências de humanidade. Porque a pergunta é simples: queremos continuar a desperdiçar a nossa vida em nome de um modelo que não nos devolve nada — ou temos a coragem de escolher viver?

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Sou natural de Guimarães, e vivo na AML desde 2006. Licenciei-me em Administração pública na Universidade do Minho, mas a minha carreira profissional tem sido desenvolvida na área da consultoria de segurança no trabalho. Sou membro do partido LIVRE desde 2019, atualmente candidato da coligação Construir o Futuro, em Loures.

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