São, hoje, imensos os artigos sobre como Charlie Kirk era um bom homem, de família e de honra. São imensos os comentários a referir que Charlie não o merecia. São também, em contraste, imensos os artigos e comentários que repudiam Charlie e celebram a sua morte. O que vos escrevo aqui não é nem um, nem outro.
A morte de Charlie será revisitada por historiadores futuros. Cabe a nós, seres presentes, decidir o que será revisitado. Devemos pesar os maus e os bons argumentos de Charlie e estatuir que foi uma morte justa? Devemos focar-nos no seu ativismo que, entre outras coisas, levou milhões de jovens a interessarem-se pela política, mesmo que apenas para o perscrutar e rebater os seus maus argumentos? Devemos focar-nos no quanto ele amava a mulher e os filhos? Devemos usar adágios como “morreu pela sua própria espada”? Ou será que devemos apenas continuar o nosso dia a dia como se de nada tivéssemos sido testemunhas?
Apelo a que façam deste tema algo mais do que um deslizar de polegar num ecrã. Quer tenham a morte por justa, quer não, apelo a que pensem gravemente e demoradamente sobre isto. A morte de Charlie não faz parte do quotidiano. As suas ideias e palavras não deviam estar sob uma guilhotina real, mas sim uma sob uma guilhotina abstrata, filosófica e dialética, tal como estiveram durante mais de uma década do seu trabalho. As suas ideias e argumentação perderam inúmeras vezes, a meu ver. Recentemente, até foi acusado de recusar debater contra pessoas mais eloquentes e proficientes politicamente do que a norma, como Dean Withers – que odiava Charlie, que o considerava uma má pessoa e discordava de quase tudo o que dizia. Porém, se até Dean Withers – alguém com vasto conhecimento político e excelente retórica, alguém completamente antónimo a Charlie, mas com uma elevadíssima capacidade filosófica – conseguiu colocar isso de parte e ver algo mais profundo nesta morte, o leitor deste artigo também tem de conseguir. Não peço ao leitor que chore, como Dean e outros adversários de Charlie fizeram. Peço que se permita pensar nisto. Que não leia apenas os cabeçalhos dos canais televisivos e grandes jornais. Que reflita.
Qualquer que seja a conclusão dessa reflexão, que seja fundamentada, mas humilde. Que fique bem claro que o que está em cima da mesa é o futuro da liberdade de expressão. Será esta morte uma prova de que liberdade de expressão máxima culmina em violência? Será esta uma consequência inalienável da liberdade? Será que devemos negociar esta consequência? Será que devemos colocar a liberdade de expressão em segundo lugar, em prol do humanismo que se perde nos extremos?
A voz de Charlie Kirk era apenas um veículo de ideias, boas e más. O que aconteceu à sua voz apenas trará silêncio, não paz. Que não se confundam estes dois conceitos. Uma sociedade moralmente lúcida assenta na livre circulação de ideias, cuja discussão nos conduz, ainda que por vias imperfeitas, à verdade – deixando de lado as minúcias epistemológicas e metafísicas. A conclusão a que chego, ao refletir sobre a morte de Charlie Kirk, não é senão um duplo reforço: do que empreendemos na revista e das pequenas ações quotidianas. Mas reforço, sobretudo, da disposição de reconhecer no outro não apenas a expressão de uma ideia contrária, mas a presença de um ser que a transcende.