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Adoro água fria. Quer dizer… Adoro obrigar-me a tomar banhos de água fria em forma de desafio. De facto, esses meus banhos tornar-se-iam mais fáceis se alguém me pegasse ao colo e me atirasse para uma piscina, mas duvido que seja esse o objetivo da influencer Joana Mascarenhas para com a sua filha. Segundo esta, é para acabar com as “manhas” e “birras” da filha…

Escrutinando cientificamente, castigos físicos não têm quaisquer evidências que os seus benefícios se sobreponham aos seus prejuízos. Zero[1]. Só que o namoro entre a teoria e a prática ainda não está consolidado com um casamento e, por isso, 6 em 10 crianças ainda sofrem de “disciplina violenta”, o que a UNICEF define como o castigo físico e/ou o castigo psicológico[2]. Sendo assim tão comum, todos já ouvimos as frases “quando eu era criança mereci aquele tabefe”, “ele estava mesmo a pedi-las”, ou “foi necessário para eu aprender”. Essas frases aparentam ter quilos de razão, mas pecam nesta falácia: não é só por ter resultado que não existia uma opção melhor. As gerações anteriores, em falta de maior romance com a teoria, baseavam-se no que resultava no curto prazo – uma lambada. Mas, agora que temos a ciência do nosso lado, podemos usar as melhores práticas, como por exemplo o timeout[3] – uma forma de modificação de comportamento que envolve separar temporariamente uma pessoa do ambiente onde o comportamento inaceitável ocorreu. Se repararem, este timeout é usado também nos adultos. Quando alguém comete um crime, o seu castigo é a prisão (i.e., um timeout da sociedade), não é um mergulho em água fria.

Filosoficamente, o castigo é tradicionalmente dividido em três motivos: 1) retribuição, 2) correção e 3) dissuasão. Destes, a retribuição é o mais fundamental. É o argumento que mais motiva a defesa da pena de morte – retribuir o sofrimento causado, “fazer-se justiça” – quando o argumento a favor dessa pena deveria ser o da dissuasão do próximo, apelando ao lado racional e não emotivo. Esta justiça de retribuir o que a outra pessoa merece não pode funcionar numa criança de 3 anos, dado que o conceito de responsabilidade individual ainda não se aplica. E mesmo daqui a 15 anos, quando esse conceito se aplicar, o castigo por um crime será o timeout. Então, se assim é, porque continuamos a perpetuar o ciclo de educação baseada no castigo físico? Comparando isso ao ato de fumar, as respostas serão similares: por falta de educação, por desejabilidade social, por comodismo, etc… Resulta e não faz mal nenhum no curto prazo, por isso porquê parar?

Bem, desvios à parte, concluo com o seguinte: a Joana Mascarenhas devia era tomar um banho de água fria sempre que a sua filha começasse com “manhas”, para que a pudesse educar de cabeça fria.


[1] Durrant, J., & Ensom, R. (2012). Physical punishment of children: Lessons from 20 years of research. CMAJ : Canadian Medical Association Journal, 184(12), 1373-1377. https://doi.org/10.1503/cmaj.101314

[2] United Nations Children’s Fund (UNICEF). (2014). Hidden in plain sight: A statistical analysis of violence against children . New York: The United Nations.

[3] American Psychological Association. (2015, August 6). Punishing a child is effective if done correctly [Press release]. https://www.apa.org/news/press/releases/2015/08/punishing-child

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