A amamentação prolongada, até aos dois anos ou mais, ainda gera debate em Portugal. Algumas vozes questionam se é exagero ou um direito legítimo da mãe e do bebé. No entanto, a ciência e a experiência das mães mostram que este período é crucial para o desenvolvimento infantil e o bem-estar materno. Os benefícios vão além da nutrição: incluem fortalecimento do vínculo afetivo, proteção contra doenças, regulação emocional e apoio à saúde mental materna.1
Como psicóloga e mãe, preocupa-me que se concentre a atenção no alegado “abuso” do horário reduzido durante a amamentação. A verdadeira preocupação deveria ser outra: garantir que as famílias tenham tempo suficiente para se dedicar aos filhos. Limitar ou reduzir este tempo tem consequências concretas. Para a criança, a ausência de cuidados consistentes e de proximidade materna ou paterna pode aumentar níveis de stress, prejudicar o desenvolvimento emocional e social, reduzir a sensação de segurança e afetar a capacidade de regulação emocional. Crianças que não têm oportunidades adequadas de contacto e vínculo podem apresentar maior ansiedade, dificuldades de relacionamento e problemas comportamentais.
Para a mãe, a falta de tempo para amamentar e cuidar do filho impacta diretamente a saúde mental e física. Reduzir o direito ao tempo de amamentação pode aumentar o risco de depressão pós-parto, sentimentos de culpa, stress e desgaste emocional. Além disso, pode comprometer a produção de leite e dificultar a continuidade da amamentação, o que por sua vez prejudica a nutrição e imunidade da criança.
A amamentação não é apenas um ato biológico; é um processo essencial para o desenvolvimento emocional da criança. Estudos internacionais mostram que crianças amamentadas por períodos prolongados tendem a apresentar melhor saúde física, emocional e cognitiva. 2Para a mãe, amamentar contribui para reduzir o risco de depressão pós-parto e fortalece o bem-estar geral. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a amamentação exclusiva até aos 6 meses de idade e alimentação complementar com leite materno até os 2 anos ou mais, conforme a vontade da mãe e da criança.3
O debate atual sobre a amamentação e o horário reduzido revela uma visão simplista da parentalidade, como se o tempo das mães pudesse ser limitado apenas ao trabalho. Políticas públicas e práticas laborais em Portugal ainda dão prioridade ao emprego, muitas vezes deixando de lado a necessidade das famílias terem tempo para cuidar dos filhos. Comparativamente, outros países desenvolvidos investem em licenças parentais generosas, flexibilidade no trabalho e programas de apoio à amamentação, reconhecendo que famílias apoiadas contribuem para sociedades mais equilibradas e produtivas.4
Há uns dias, vi um vídeo em que se perguntava a crianças se preferiam um brinquedo ou tempo com os pais, com os adultos a assistir numa sala à parte. Algumas escolheram o brinquedo, explicando que sabem que os pais estão sempre cansados ou ausentes. Este exemplo evidencia que a atenção da sociedade e das políticas públicas não deve concentrar-se apenas em alegados “abusos” na amamentação, mas em permitir que as famílias tenham mais tempo de qualidade com os filhos.
É igualmente importante sublinhar que mães que não amamentam, por escolha ou dificuldade, merecem igualmente respeito e apoio. A amamentação fortalece o vínculo, mas não define a maternidade. Limitar direitos ou criar barreiras pode prejudicar o desenvolvimento infantil e o bem-estar materno. Políticas públicas devem oferecer flexibilidade, condições adequadas e segurança laboral, de modo a que mães e pais possam dedicar tempo de qualidade aos filhos, estejam ou não a amamentar.
A amamentação é um direito da criança e um recurso valioso para a mãe, mas o direito a ser mãe e pai, com apoio, respeito e condições concretas, deve ser preservado. Garantir estes direitos é essencial para uma sociedade mais saudável, equitativa e sustentável, onde políticas e decisões sociais respondam efetivamente às necessidades das famílias. Reduzir ou limitar este tempo de cuidado não é apenas uma questão administrativa: tem impacto direto na saúde, no desenvolvimento e na qualidade de vida de crianças e mães.
Referências bibliográficas
- Britton, C., McCormick, F. M., Renfrew, M. J., Wade, A., & King, S. E. (2007). Support for breastfeeding mothers. Cochrane Database of Systematic Reviews, (1). ↩︎
- Chowdhury, R., Sinha, B., Sankar, M. J., Taneja, S., Bhandari, N., Rollins, N., … & Martines, J. (2015). Breastfeeding and maternal health outcomes: A systematic review and meta‐analysis. Acta Paediatrica, 104(1), 96–113. ↩︎
- Organização Mundial da Saúde. (2023). Global breastfeeding scorecard 2023: Tracking progress for breastfeeding policies and programmes. ↩︎
- Ogbuanu, C., Glover, S., Probst, J., Liu, J., & Hussey, J. (2011). The effect of maternity leave length and time of return to work on breastfeeding. Pediatrics, 127(6), e1414–e1427. ↩︎