Fadiga de compaixão em Fisioterapeutas

"É preciso considerar as expectativas dessas pessoas, que esperam uma solução duradoura em meia semana para uma dor que sentem há vinte anos, bem como o nível de autocomiseração e de automartirização, sendo que muitas delas encontram conforto na própria miséria...

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Ao pesquisar sobre fadiga de compaixão, a maioria das revisões sistemáticas indica a falta de estudos, assim como uma maior incidência em enfermagem e maior foco na altura da Covid-19. Ainda assim, conseguimos perceber algumas coisas: a saturação chega rapidamente. Falando da minha experiência, muitos são os meus colegas que procuram uma saída, mais cedo ou mais tarde. 

Temos de saber separar as águas: há pessoas que, por mais que nos esforcemos por elas, não conseguem, por incapacidade física. Na minha experiência, vi muitos casos na área músculo-esquelética, geriátrica e neurológica em que as pessoas não fazem mais porque não querem. São o tipo de pessoas que, se a dor passar ao deitarem-se na marquesa sem se mexerem, está tudo bem; se envolver exercício, aí não se demonstram tão interessados. É preciso considerar as expectativas dessas pessoas, que esperam uma solução duradoura em meia semana para uma dor que sentem há vinte anos, bem como o nível de autocomiseração e de automartirização, sendo que muitas delas encontram conforto na própria miséria, e não têm capacidade de se responsabilizar por elas próprias. O ponto é: como é que nós, profissionais de saúde, nos sentimos ao tentar ajudar pessoas que não se querem esforçar o suficiente para melhorar?

Ser a/o “das dores” não é fácil porque somos bombardeados com histórias de “grandes desgraças”. É fatigante perguntar o que a pessoa sente e ouvir relatos mirabolantes de dor intensa e tortuosa, para depois descobrir que é uma contratura. Pela descrição parecia algo incapacitante, quando, na realidade, é apenas um ligeiro incómodo. Claro que é imoral e antiético duvidar do que a pessoa diz, mas se muitas pessoas soubessem o que de facto é um caso complicado, evitariam descrever-se como os mártires da pátria. Será que é para obter empatia e um calorzinho para embalar a sesta? No que toca à empatia, estão a obter o completo oposto: uma vontade de revirar os olhos. 

Não só catastrofizam o que sentem, como despejam todas as histórias dramáticas pelas quais passaram, à mínima oportunidade em que se converse um pouco com eles. Uma colega minha, por exemplo, ao fazer uma massagem ou mobilização de 2 ou 3 minutos, soube que a paciente tinha perdido um filho num acidente de carro, e, inclusive, mostrou as imagens do carro que tinha no telemóvel. É uma história verídica que resume um pouco a “carapaça” protetora que temos de desenvolver em profissões de saúde. 

É difícil sentir compaixão porque, por vezes, é só mais uma terça-feira, apenas mais um exagero de uma dor descrita como se estivesse a recitar os Lusíadas, ou uma pessoa que precisa mais de um psicólogo que um fisioterapeuta. Seja como for, pode ter consequências graves, como esgotamento e apatia, que, juntando-se a outros problemas associados à profissão, desvalorização sistémica e salarial, por exemplo, podem levar ao fim de uma carreira. Coisa que, para o país, não é positiva; já para o profissional, pode ser a melhor decisão da sua vida.

Referências:

Krause, J., et al. (2020). Legal gender recognition and mental well-being: A scoping review. International Journal of Law and Psychiatry. Disponível em: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/s12995-020-00274-z.pdf

Mangiaracina, F., et al. (2023). The impact of telemedicine on healthcare services during the COVID-19 pandemic: A systematic review. BMC Health Services Research. Disponível em: https://link.springer.com/content/pdf/10.1186/s12913-023-10356-3.pdf

Hopp, L., Rodgers, B., & Munhall, P. L. (2016). Integrative literature reviews for the development of concepts. Journal of Nursing Scholarship, 48(5), 531–539. Disponível em: http://library.stikespantirapih.ac.id/downloads/Journal%20of%20Nursing%20Scholarship%20Volume%2048%20Tahun%202016,%20No%205.pdf#page=24

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25 anos, licenciada em Fisioterapia pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, actualmente exerce no contexto desportivo, acompanhando a equipa de Seniores B/juniores do Sporting Clube de Portugal e no contexto de clínica.

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