“Se quer trabalhadores criativos,
dê-lhes tempo para brincar”
John Cleese
Senti-me convidado pela imagem que acompanha este texto a escrever sobre uma coisa séria: a importância de brincar para o desenvolvimento de capacidades que tornam as pessoas mais aptas para desempenhar funções que exigem rigor e seriedade.
Embora pareça saída da Idade Média, a imagem refere-se a uma notícia de 2022 (vide Expresso), altura em que a Primeira Ministra da Finlândia, Sanna Marin, foi ilibada de má conduta aquando de uma saída nocturna para se divertir. Este comportamento da governante foi gerador de polémica e burburinho, e a ideia que ficou no ar foi a de que Sanna Marin seria uma desatinada, pouco apta ao cargo que exercia na altura.
Isso é interessante porque que eu saiba, a diversão, os momentos de prazer, o convívio e a diversificação de actividades sociais, desde que exercidos com ponderação e bom senso, não retiram a ninguém as capacidades ou a legitimidade para exercer qualquer tipo de profissão.
Pelo contrário, os estudos indicam que o brincar, bem como a diversão que lhe está associada são desde tenra idade, excelentes instrumentos para o desenvolvimento das capacidades cognitivas e sociais.
É uma ideia simples de entender, bastando para isso analisar os ensinamentos que a natureza proporciona. Por exemplo, os leões aprendem a lutar e a caçar desde que nascem, competências que aperfeiçoam enquanto brincam com os seus irmãos, ou com pequenos animais que a Leoa lhes faz chegar. Assim sendo, é caçando pequenos roedores que aprendem a matar búfalos.
Através de pequenas brincadeiras, estes animais aprendem, por exemplo a sair vencedores e dominadores de um território, ou a lidar com a frustração da derrota. Adquirem assim as competências essenciais para a sua sobrevivência: caçar e lutar.
Por seu lado, enquanto brincam, os humanos desenvolvem a capacidade de serem criativos, uma competência essencial que acrescenta qualidades ao seu desempenho individual e colectivo, porque independentemente das características de cada um, é a criatividade que permite a cada um explorar o máximo das suas potencialidades.
Hoje sabe-se que existe uma ligação entre a diversão, o prazer e a criatividade, isto é, sempre que alguém se diverte, os seus índices de criatividade ficam aumentados. Isto acontece porque as hormonas libertadas quando retiramos prazer de qualquer actividade, são responsáveis pela diminuição do stress, pela regulação do humor, o aumento da concentração, memória e aprendizagem, desenvolvendo desta forma a flexibilidade cognitiva.
Este fenómeno é ainda mais notório quando se tem uma profissão altamente stressante e exigente do ponto de vista cognitivo e social, com agendas preenchidas e uma elevada exposição mediática. Por isso, quem quer ter decisores saudáveis e equilibrados do ponto de vista emocional, e que sejam capazes de tomar decisões eficazes e coerentes, tem de dar-lhes tempo e liberdade para que se divirtam e expandam sua criatividade.
Numa altura que tanto se fala de Burnout, do equilíbrio necessário entre trabalho, família e vida social, não deixa por isso de ser preocupante todo o ruído mediático que foi feito à volta de uma saída nocturna de uma jovem finlandesa, com o objectivo de se divertir com os seus amigos.
É preocupante porque afasta os jovens, bem como toda a sua energia e potencial, dos cargos políticos e de responsabilidade, e também porque reflecte uma certa atitude reprovatória, provavelmente herdeira do Medievalismo ainda existente em alguns sectores da sociedade, que acreditam ser necessário ter uma personalidade introvertida ou carrancuda para se estar apto a desempenhar os cargos que impliquem lidar de perto com coisas sérias.
No entanto é curioso que a evolução das espécies tenha preparado todos os mamíferos com as capacidades que lhes permitem aprender enquanto brincam. Veja-se por exemplo o caso dos gatos, dos cães ou dos chimpanzés.
Embora esta capacidade se manifeste com mais intensidade nas fases mais precoces do desenvolvimento, em parte porque as estruturas cerebrais responsáveis pelo prazer obtido através do brincar vão diminuindo a partir de determinada altura, esta capacidade está presente em todos os seres humanos e em qualquer idade.
As sociedades actuais atribuem pouca relevância à capacidade de brincar. Em consequência disso, dedica-se pouco tempo à brincadeira nas escolas. É negativo, porque brincar adquire especial importância na aquisição de competências sociais, na aprendizagem e desenvolvimento de novos comportamentos, no aperfeiçoamento das habilidades cognitivas, como por exemplo as competências psicomotoras que nos permitem executar tarefas simples, como andar de bicicleta.
Numa fase em que os estudos mostram que nunca se tomaram tantos ansiolíticos e antidepressivos como agora, e em que as rupturas sociais e os choques culturais têm vindo a aumentar, é hora de olhar para o potencial que as coisas simples e baratas da vida, como por exemplo brincar, podem ter no desenvolvimento de competências que tornam cada indivíduo mais apto e competente para lidar com os desafios.
Acredito por isso que os assuntos sérios são para ser entregues a quem sabe brincar.
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