O que é meu e o que é o que construí para ser validado?

"A nossa pessoa abdicou totalmente de si para se enquadrar totalmente no grupo. Ou, pelo menos, abdicou grande parte de si. De tal forma que, passados alguns meses, ela já não se reconhece mais em si...

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Começar a escrever um texto para mim é sempre uma tortura. Mesmo que eu tenha uma ideia bem definida do que quero falar, de como quero falar e, eventualmente, para quem o quero falar, a forma como começo um texto, é de suma importância para mim.

Começar um texto, é como começar a falar com uma pessoa: a nossa mente vai sempre analisar, em primeiro, a linguagem não verbal, para saber se será minimamente seguro falar com aquela pessoa. Podemos, ou não, ser surpreendidos depois.

Posto isto, a minha ideia para base de todos os textos que escreva para este projeto, do qual me honra muito o convite que me foi feito para fazer parte deste lugar, trata-se daquilo que considero ser importante quando conheço uma pessoa: que ela seja ela. Tanto quanto se saiba. Tanto quanto se consiga.

Por que uma pessoa vai ao psicólogo fazer psicoterapia? Não é porque lhe dói a unha do pé. Também não é porque partiu um osso. E, garantidamente, não é porque espetou uma faca no olho. Mas pode tudo isto ter sido o gatilho para, finalmente, ir ao psicólogo. Não faz sentido o que acabei de dizer? Talvez.

Mas siga-me, caro leitor, acredito que irá ficar a entender melhor.

Uma pessoa vai ao psicólogo porque sente algum grau de desconforto psíquico e emocional, ou até físico. “Uau! Que novidade!”, diz o leitor. A psicoterapia tem por objetivo, no mais básico dos básicos, ajudar o cliente, a pessoa, a sentir-se funcional e mais equilibrado emocionalmente, do que está, no momento. A nossa pessoa, que lhe dói a unha do pé, partiu um osso ou espetou uma faca no olho, estava com um problema muito comum nos dias de hoje, já não sabia quem era:

  • Relatou que se sentia mal, porque é uma pessoa que está envolvida com grupos (de trabalho, amigos, entre outros), mas que se sente mal consigo mesma. 
  • Ela relata que, apesar de estar nos grupos, ela não acrescenta nada a esses grupos, porque há muito dentro dela, que não está compatibilizado com esses grupos.
  • Ela admite que, frequentemente, sente que se tem de rir, quando o grupo ri, mas não se queria rir. 
  • Ela é chamada a abordar determinados assuntos e situações no qual não se revê minimamente.
  • Segundo ela, isto, à segunda-feira, até não é grave. Mas, à sexta-feira, está exausta.
  • Ela “pede” o fim de semana só para ela, para estar consigo, no seu ritmo, com as suas ideias e “no seu mundo”. Mas o fim de semana passa rápido, quando não tem um evento em família ou amigos.
  • Ela não sabe o que fazer para se sentir melhor.

Esta é a exposição da nossa pessoa.

Agora venha cá, sente-se aqui. Não lhe quero ensinar nada! Apenas partilhar consigo uma ideia.

Quanto mais somos o grupo, menos somos nós. Quanto mais somos nós, menos somos parte do grupo. No entanto, podemos ser totalmente nós e ter a felicidade de isso se enquadrar totalmente com o grupo. Mas também podemos ser totalmente nós, e isso jamais se enquadrar com o grupo. É aqui que, geralmente, os problemas surgem.

Cada grupo é um conjunto de pessoas. E, apesar disto parecer óbvio, é de grande relevância. Porque é cada uma das pessoas do grupo que contribui para a “energia do grupo”. Ora, se nós estamos completamente dessincronizados com a energia do grupo, como vamos resolver este impasse? Será que o grupo vai mudar toda a sua postura para ir mais de encontro a nós? Será legítimo? Será que vamos mascarar a nossa forma de estar, para ir de encontro ao grupo? Será válido?

A nossa pessoa abdicou totalmente de si para se enquadrar totalmente no grupo. Ou, pelo menos, abdicou grande parte de si. De tal forma que, passados alguns meses, ela já não se reconhece mais em si. Este processo foi gradual, semana após semana, em situações isoladamente inofensivas. A nossa pessoa começou a sentir-se cansada, cabisbaixa e com menos energia física. A mente afetou-lhe o corpo. Progressivamente, começou a manifestar esquecimentos regulares, uma ou outra distração no trânsito que podia ter corrido pior. A nossa pessoa, um dia, não espetou uma faca no olho, mas partiu um osso. Numa situação de desgaste e desatenção, uma “pequena fatalidade” aconteceu. Foi o momento em que, com o apoio dos amigos – do grupo – decidiu ir ao psicólogo.

É normal querer ser aceite num grupo. Não há nada de “desumano” nisso. Aliás, se há coisa que é de Humano, é de querer pertencer a um grupo. O grupo protege. O grupo ajuda quando a energia falta. O grupo é coeso, espera-se. Mas o grupo também pode discriminar, sem o saber. O grupo também pode exigir, sem o mostrar. O grupo também pode atacar, achando que está a defender. E, se não estamos dispostos a abdicar de nada em nós mesmos, devemos ter consciência que o caminho pode ser mais difícil. Mas é o nosso.

O grande problema também é quando, no grupo, a força que nos impele a agir de acordo com aquilo que somos é tanta, que acabamos por mostrar ao grupo alguma parte daquilo que realmente somos. Como será que o grupo vai responder a isso? Será que continuamos a ser “fixes”? Ou será que há repulsa pela nossa atitude? Vamos sentir vergonha de uma atitude que, no fundo, somos nós? Porque havemos de sentir essa vergonha?

A minha “tese”, é que devemos saber impor limites àquilo que estamos dispostos a abdicar em nós mesmos, para absorver do grupo e, com isso, pertencer a ele. Talvez, mais importante ainda, devemos ser claros naquilo que somos perante o grupo, para posteriormente não haver desilusões. Porque não, logo desde início, nos mostrarmos?

Mesmo que essa repulsa aconteça, pelo menos, já sabemos com o que contar.

A nossa pessoa, nas suas sessões de psicoterapia, descobriu-se a si e descobriu a dinâmica do grupo. Descobriu que não sabia separar o seu Eu do Eu Colectivo. Aprendeu um pouco mais de si própria e um pouco mais de como funcionam, pelo menos, os seus grupos. E daqui para a frente, ela já tem ferramentas que lhe permitem estar mais consciente de si e do outro. Dos outros. 

Afinal, o que é meu e o que é o que construí para ser validado?

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Nasci em 1986, em Coimbra. Após formação em Informática de Gestão, vivi 12 anos como fotógrafo. Sempre escrevi sobre o mundo interno e externo, mas nos últimos anos mergulhei com mais foco na psicologia e na filosofia para entender o comportamento humano.

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