Um Desabafo sobre a Educação Especial e o Ensino Português

“Faltam-nos auxiliares nas creches e nas escolas para monitorizar/equilibrar o ambiente social entre alunos neurotípicos (...) e neurodivergentes (...). E, acima de tudo, falta-nos o apoio individualizado que integre a componente educacional e social destas crianças e destes adolescentes, do ensino obrigatório ao superior.”

Tempo de leitura: 9 minutos

A educação em Portugal… um tema riquíssimo em conteúdo, de tão pobre que está! Primeiramente, começo por referir que este é um tema sensível e que, embora já tenha sido – ou, aliás, é – polémico, não foi referido o suficiente na televisão ou talvez não tenham sido feitas greves suficientes… Caso as façam no futuro, sugiro que apelem à adoção de medidas ou estratégias eficazes que atuem em prol da evolução da intervenção escolar e do seu regulamento, de forma a que a situação académica dos Estudantes com Necessidades Educativas Especiais (E-NEE) se adeque à sua condição de cariz orgânico ou psicológico e às suas restantes necessidades. É deste tópico que vos falarei hoje, ou tentarei, visto que a deambulação por matérias que circundam esta problemática é recorrente no meu discurso.

Começo por descrever o que é o conceito de uma Escola Inclusiva: um local ou ambiente em que todos os estudantes estão num processo de aprendizagem em conjunto, sempre que possível, independentemente das suas dificuldades ou diferenças; isto é, segundo a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)1. Ora, a integração está implícita neste conceito; realça-se pela diversidade e sobressai-se pelas suas diferentes perspetivas: legais, sociais, pessoais e curriculares ou educacionais (Bayliss, 1995)2. Estes termos e condições estão a ser aplicados em Portugal?

Conscientes da mudança drástica de paradigma que de momento está a ocorrer em Portugal, está claro que estamos perante uma crise ideológica gravíssima, na qual se insere também a educacional. Faltam-nos professores e qualificações para as funções que desempenham (Barreiros, 2024)3. Faltam-nos auxiliares nas creches e nas escolas (Serafim, 2025)4 para monitorizar/equilibrar o ambiente social entre alunos neurotípicos – considerados normativos – e neurodivergentes – em que o funcionamento cerebral difere significativamente dos padrões considerados típicos ou normais (autismo, PHDA, entre outros). E, acima de tudo, falta-nos o apoio individualizado que integre a componente educacional e social destas crianças e destes adolescentes, do ensino obrigatório ao superior (Lusa, 2024)5.

A banalização/normalização do diagnóstico está também cada vez mais acentuada, o que faz com que especialmente crianças e adolescentes sejam rotulados com perturbações ou défices cognitivos que não existem ou que provêm de uma raiz psicológica, ou seja, cujo problema é essencialmente emocional. Já dizia Bruno Nogueira na série “Ruído”:“podíamos ter utilizado outros termos… dificuldades na aprendizagem, (…) hiperatividade, mas não é o caso. Ele é mesmo estúpido”. Trata-se de uma sátira, que em parte pode ser interpretada como esta normalização da neurodivergência numa reunião de pais, na qual demonstram não estar a par do desempenho académico e das interações sociais do filho na escola. O professor, Bruno Nogueira, confronta-os explicando que não se trata de nenhuma perturbação do desenvolvimento intelectual ou da aprendizagem específica; o filho apenas é “estúpido”.

Reparem, para mim ninguém é “estúpido” ou “lento”. Penso que é da responsabilidade dos pais, professores, profissionais de saúde, entre outros, presentes nos subsistemas da criança, do adolescente ou do jovem adulto, de o integrar, a fim de que este esforço multidisciplinar resulte na adaptação do aluno. Estamos a par das consequências que a solidão, o isolamento social, a baixa autoestima, etc., têm na saúde física e psicológica de um ser humano, especialmente durante o seu desenvolvimento. Posto isto, reforço que em Portugal são necessárias estratégias gerais, mas também específicas, para adaptação de material escolar, conteúdo lecionado e apoio especializado para esta população. Ou, como dizem os famosos comentadores na televisão ou os nossos prestigiados e literatos deputados: “Precisamos de investir na Intervenção Precoce! Medidas para os Jovens!”

A falta de psicólogos nas escolas (Lusa, 2023)6 é outro fator de risco que perturba o desenvolvimento equilibrado e contínuo. Não existem recursos suficientes para que se avaliem as necessidades dos estudantes e para a criação de um ambiente propício à sua aprendizagem. Em 2023, verificou-se que existe um psicólogo para cada 1000 alunos, sendo que a recomendação é que haja um psicólogo para cada 500 ou 700 alunos (Sousa, 2024)7.

Saliento também que o número de professores está a diminuir e, consequentemente, o número de alunos aumenta de turma para turma. Com isto, a possibilidade de o número de E-NEEs aumentar nestas turmas é elevado também (Viana, 2023)8. Os professores não têm a capacidade horária ou o espaço para conseguir atender às necessidades destes alunos em sala de aula ou fora dela; não têm formações, workshops ou sessões de capacitação sobre a pedagogia inclusiva, na qual se promovem estratégias de interação social e académicas para uma melhor inclusão e adaptação do material de estudo e de métodos de avaliação para estes alunos, com “superpoderes”. Sim, isto porque segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses (2025)9, a integração de membros neurodivergentes pode aumentar a produtividade de uma equipa em pelo menos 30%. De facto, pode-se dizer que é uma Win-Win investir em todos os alunos, tendo estes défices cognitivos/orgânicos ou não, desde o princípio do seu desenvolvimento. E, em Portugal, investimos nos alunos? Investimos no futuro do país?

Agora pergunto, o que acontece quando muitos destes alunos não são apoiados e não conseguem expor e trabalhar as suas dificuldades e dão por si no ensino superior? Esta falha no sistema educacional “sai cara” para estes estudantes e para o sistema de ensino. Por vezes, estes estudantes não conseguem ir ao ritmo dos restantes e acabam por ter um desgaste físico e psicológico acrescido, o que por sua vez impacta diretamente a sua motivação, o controlo da atenção, o humor, o sono, a alimentação, entre outros. No fundo, o seu desempenho académico não corresponde com as suas expectativas pessoais devido à falta de acompanhamento especializado e, consequentemente, deparamo-nos com o absentismo ou o insucesso escolar; alguns podem até desistir definitivamente dos estudos (Barreiros, 2024; Casanova, 2025)10. Por exemplo, imaginem-se atrás de uma linha branca com os vossos colegas, todos atiram uma pedra para que atinja um alvo, e a vossa nunca alcança a mesma distância que a deles, e não sabem o porquê. A vossa autoeficácia, organização, autoavaliação e gestão de recursos são postas em causa repetitivamente sem motivo, visto que a falta de bases “já vem de trás”. Então a culpa é sempre do sistema de ensino? Se me fizerem essa questão, dir-vos-ei que creio que a responsabilidade recai bastante no sistema de ensino, sim. Existem muitos pontos a trabalhar com o intuito de prevenir o insucesso e abandono escolar.

Cabe então à Instituição de Ensino Superior criar um plano de apoio adequado e proativo, para apoiar os estudantes a continuarem o seu percurso académico e integrá-los na comunidade estudantil. No ensino superior, é importante promover a autonomia e a motivação do estudante, não através do facilitismo, mas, sim, através do apoio psicopedagógico. Seguindo a linha do pensamento construtivista, os estudantes têm a capacidade de planear e estabelecer os seus objetivos, de realizar as suas tarefas ao se envolverem e se empenharem de uma forma positiva, sendo tudo isto fomentado por estratégias de aprendizagem implementadas através do devido apoio no contexto académico (Soares, 2009)11.

Sabemos que a motivação é um processo intrínseco, que pode ser estimulada por fatores externos. O nível de insight do estudante perante o processo de aprendizagem é extremamente importante, assim como trabalhar para o desenvolvimento da sua autorregulação. Embora o processo de apoio psicopedagógico tenha o seu core educacional, não podemos abstrair-nos de que todos estes fatores dependem da nossa visão de nós mesmos – do self – e do seu desenvolvimento ou estagnação perante o sintoma ou problema, seja ele “inato ou adquirido” (Costa, 2001)12. Com isto quero dizer que temos de ter em conta a sua interação com o ambiente que o rodeia e com as pessoas que o compõem. É fundamental ter em conta a sua personalidade e o seu grau de resiliência, além de avaliar o seu ritmo e acompanhá-lo passo a passo.

A resistência à frustração e a concentração, a meu ver, são dois dos fatores mais difíceis de estimular e de desenvolver, quer em estudantes considerados normativos quer na população neurodivergente. Um dos vários fatores responsáveis por esta dificuldade é o impacto dos media, que facilitou o aumento e a preferência pelos short-videos (repletos de estímulos e de informação em vídeos de apenas 15 a 30 segundos) como fonte de informação, habituando o ser humano à informação e à desinformação, facilmente acessível em todas as plataformas. Damos por nós a ficar cansados ou aborrecidos após visualizarmos cinco minutos de uma entrevista, e hoje em dia já se fala de boreout nos locais de trabalho – sentir que o nosso trabalho não nos desafia ou estimula –, um conceito muito interessante e polémico que parece andar lado a lado com o burnout (Pecinato, 2025)13. Na verdade, somos criaturas de hábitos e, atualmente, se a informação é exposta fora deste modelo acessível e rápido, o tédio aumenta, assim como a procrastinação e desmotivação… Há instituições de ensino que jogam com este método para envolver os estudantes. Cabe-nos a nós adaptar os conteúdos com a finalidade de captar a atenção e o interesse do aluno, para que depois absorva a informação e a interprete como útil no seu quotidiano e futuro profissional. E condições? Existem? Somos independentes para as criarmos?

Termino em aberto, visto que existem vários fatores no âmbito da educação portuguesa – e da sua falta de medidas – que me deixam insatisfeito… Espero desassossegar-vos para que, juntos, mobilizemos a opinião pública para que mais olhos se debrucem sobre esta mensagem, escrita de coração e por linhas tortas.


Referências

  1. UNESCO. (1994). Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Salamanca, Espanha: UNESCO. ↩︎
  2. Bayliss, P. (1995). Integration, segregation and inclusion: Frameworks and rationales. Porto, Comunicação apresentada no Seminário Internacional Erasmus: A Educação Especial no Século XXI, 7-8 de abril. ↩︎
  3. Barreiros, P. (15 de abril 2024). O futuro da educação em Portugal está em risco… Sindicato dos Professores. Disponível em: https://fne.pt/pt/blog/go/o-futuro-da-educacao-em-portugal-esta-em-risco ↩︎
  4. Serafim, T. (11 de fevereiro 2025). Em Lisboa, falta de auxiliares continua a afectar alunos – mesmo com reforço da câmara e juntas. Público. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/02/11/local/noticia/lisboa-falta-auxiliares-continua-afectar-alunos-reforco-camara-juntas-2122174 ↩︎
  5. Lusa (16 de novembro 2024). Movimento pede mais apoio nas escolas para crianças com necessidades especiais. Público. Disponível em: https://www.publico.pt/2024/11/16/sociedade/noticia/movimento-pede-apoio-escolas-criancas-necessidade-especiais-2112178 ↩︎
  6. Lusa (26 de janeiro 2023). Faltam psicólogos nas escolas, rácio é de um para 744 alunos. Expresso. Disponível em: https://expresso.pt/sociedade/ensino/2023-01-26-Faltam-psicologos-nas-escolas-racio-e-de-um-para-744-alunos-4e528989 ↩︎
  7. Sousa F. D. (30 de janeiro 2024). Reforçar os Psicólogos Educacionais: A falta de psicólogos escolares nas escolas públicas não é apenas uma estatística, é um obstáculo palpável que afeta diretamente a qualidade do ensino. Observador. Disponível em: https://observador.pt/opiniao/reforcar-os-psicologos-educacionais/ ↩︎
  8. Viana, C. (5 de novembro 2023). Número de alunos com necessidades especiais voltou a aumentar. Público. Disponível em: https://www.publico.pt/2023/11/05/sociedade/noticia/numero-alunos-necessidades-especiais-voltou-aumentar-2069142 ↩︎
  9. Ordem dos Psicólogos Portugueses (1 de maio 2025). Diversidade e Inclusão nos locais de trabalho. Ordem dos Psicólogos Portugueses. Disponível em: https://www.ordemdospsicologos.pt/pt/noticia/5586 ↩︎
  10. Casanova, F. (21 de janeiro 2025). Agravam-se as condições para alunos com necessidades educativas especiais. Renascença. Disponível em: https://rr.pt/noticia/pais/2025/01/21/agravam-se-as-condicoes-para-alunos-com-necessidades-educativas-especiais/410495/ ↩︎
  11. Soares, A. C., Fontinho, A. S., Duarte, C. R., Marques, I., & Matias, M. S. (2009). Apoio psicopedagógico ao deficiente visual. ↩︎
  12. Costa, J. J. M. (2001). Auto-regulação da aprendizagem: para uma caracterização multidimensional do desempenho académico. Dissertação de Doutoramento em Psicologia, especialização em Psicologia da Motivação e da Personalidade, não publicada. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. ↩︎
  13. Pecinato, B. (5 de maio de 2025). O que é o “boreout”, estado prolongado de tédio no trabalho. Público. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/05/05/p3/noticia/boreout-estado-prolongado-tedio-trabalho-2131963 ↩︎

Partilhe este artigo:

Licenciado em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica e de Aconselhamento. A sua paixão por Psicologia nasceu consigo. Gosta de pensar que em cada plano terapêutico, tanto ele como o cliente saem do consultório realizados.

Contraponha!

Discordou de algo neste artigo ou deseja acrescentar algo a esta opinião? Leia o nosso Estatuto Editorial e envie-nos o seu artigo de opinião.

Mais artigos da mesma autoria: