25 de abril até ao apito final

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Como bons portugueses, bem sabemos que o futebol se joga tanto dentro quanto fora das quatro linhas. Tal como há jogos que ficam na história, também há história presente nos nossos jogos. O 25 de abril foi um desses jogos que, fora das quatro linhas e sem bola, mudou a forma como vivemos e nos comportamos no futebol em Portugal. A liberdade é muitas vezes demonstrada e expressada com pequenos gestos. Desde gritos na bancada, opiniões nas redes sociais, debates fervorosos no café ou em programas de TV e até nos podcasts diários que consumimos, o futebol é hoje também um espelho da liberdade que foi conquistada com a Revolução dos Cravos.

Em 24 de abril de 1974, o Sporting defrontava o Magdeburgo na República Democrática Alemã, a contar para a segunda mão da semifinal da Taça das Taças, dez anos depois da notória conquista do troféu por parte dos leões. A primeira mão tinha ditado um empate a uma bola entre os dois, mas os verdes e brancos ficavam sem Yazalde e Dinis para o jogo na Alemanha. Os germânicos entraram muito bem na partida e no segundo tempo aumentaram a vantagem para 2-0. O Sporting ainda reduziu, mas já não foi suficiente para ainda “pedir” mais 30 minutos.

A verdade é que naquela noite, o futebol foi o espelho de um país prestes a mudar não só a página, mas um capítulo inteiro. A revolução, sem saber, já aquecia no banco. A RTP, que transmitia o jogo para milhares de portugueses, já tinha tudo estruturado para aquele que seria o pináculo da democracia portuguesa. Depois do adeus do Sporting à Taça das Taças, foi “E Depois do adeus” de Paulo Carvalho reproduzido, às 22:55, culminando naquele que era o primeiro sinal para o movimento das forças armadas. E assim começou a revolução, cheia de sucesso, história e cravos para relembrar.

Os grandes clubes, principalmente os três grandes já mais que bem destacados na altura, acabavam muitas vezes por serem utilizados como símbolos de força nacional ou até distração popular. O futebol, em termos políticos, era interpretado pelos burocráticos como uma ótima forma de manter o povo entretido e sem expressões de descontentamento. Com a queda do regime, caíram também os grandes muros que impediam o debate, a crítica e a participação cidadã. Os anos seguintes trouxeram uma explosão de novos meios de comunicação em Portugal, novas associações que defendiam os direitos de trabalhadores, novas vozes e opiniões, desta feita sem a censura do lápis azul. A democratização do país permitiu então que o futebol deixasse de ser apenas espetáculo e entretenimento e voltasse ao que realmente importa para os portugueses – uma cultura viva, popular, carregada de significado, paixão e liberdade de expressão.

O futebol voltou então a ser mais do que 90 minutos. Surgiram novos espaços para a troca de ideias, opiniões e expressões futebolísticas. As rádios, os jornais e os novos programas de televisão tornaram-se os novos campos de jogo. Os jogadores começaram a ser interpretados mais como humanos e não apenas atletas. O desporto tornou-se então mais acessível, mais autêntico, mais livre e acima de tudo, mais profissional. As discussões sobre as táticas, jogadores, treinadores e resultados passaram a ser não apenas sobre o jogo, mas também sobre formação, cultura, identidade e representação do país e do cidadão português.

Os clubes abriram-se à participação de sócios, com a realização inclusive de assembleias gerais, onde os adeptos passaram a ter uma palavra ativa naquilo que é a organização do clube. Surgiram também as claques organizadas, com a apropriação da imagem do clube e da representação do mesmo com tifos, cânticos, símbolos e celebração.

O 25 de abril certamente não revolucionou o futebol em 24 horas, mas mudou a forma como o vivemos, sentimos, interagimos e partilhamos com o outro. O que antes assistíamos em silêncio, passámos a comentar, criticar e celebrar, na tristeza e na alegria. Hoje, ao vermos um jogo, podemos então escrever, falar e gritar, graças ao pontapé de saída dado no dia 25 de abril de 1974. Uma das tabelinhas mais belas, sem dúvida, é aquela que fazem entre a história e o futebol.


Referências

  1. https://ludopedio.org.br/arquibancada/a-evolucao-do-futebol-portugues-a-partir-da-revolucao-dos-cravos/?srsltid=AfmBOoqADDKH0kVJLxTYoe-KGrJG-P2sSyhzIxiyxzLP5Q9uNZliFhcG
  2. https://www.flashscore.pt/noticias/futebol-taca-de-portugal-a-revolucao-e-o-futebol-os-primeiros-jogos-no-pos-25-de-abril/YH3iHii4/
  3. https://www.zerozero.pt/historia/magdeburg-x-sporting-e-depois-do-adeus-/5485

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Vasco Fernandes, de 24 anos, é um apaixonado pela comunicação no futebol. Licenciado em Comunicação Social pelo Instituto Politécnico de Viseu e com uma pós-graduação em Comunicação no Futebol Profissional, Vasco dedicou-se desde cedo às áreas de rádio, jornalismo e comunicação.

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