25 de Abril: Liberdade Inacabada

"Olhamos à nossa volta e vemos a luta dos trabalhadores por salários justos, as greves nos transportes, na saúde, na educação. Vemos jovens sem perspetivas de futuro, presos em empregos precários e rendas impossíveis. Abril trouxe-nos a promessa de um país mais justo, mas essa promessa continua por cumprir."

Tempo de leitura: 4 minutos

Desde crianças ouvimos dizer que o 25 de Abril nos trouxe a liberdade. A ditadura ficou para trás e, com ela, a censura, a repressão e o medo. Foi um momento de viragem, um grito coletivo que rompeu com décadas de opressão. Mas, passados 50 anos, será que podemos dizer que a revolução está concluída? Será que todas e todos vivemos essa liberdade por igual? 

Como mulher e feminista, sei que a liberdade ainda não chegou a todos. Aqui na Madeira, onde o conservadorismo se entranha na sociedade, os direitos das mulheres, das pessoas LGBTQIA+, dos trabalhadores e das camadas mais vulneráveis continuam a ser postos em causa. Abril abriu portas, mas muitas continuam entreabertas, acessíveis apenas para alguns. Se a liberdade não é para todos, então não é liberdade plena. 

É verdade que hoje temos direitos que antes eram impensáveis. Podemos votar, expressar opiniões sem censura, exigir melhores condições de vida. Mas de que serve ter uma Constituição que garante direitos fundamentais se, na prática, o acesso a esses direitos é desigual? Se as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho? Se muitas pessoas vivem com medo de não conseguir pagar a renda ao fim do mês? Se há quem precise de emigrar porque a sua terra já não lhe dá condições para viver com dignidade? Estes direitos são constantemente ameaçados por políticas que privilegiam o lucro em detrimento da dignidade humana. Abril deu-nos um caminho, mas não garantiu que não voltássemos atrás. 

Olhamos à nossa volta e vemos a luta dos trabalhadores por salários justos, as greves nos transportes, na saúde, na educação. Vemos jovens sem perspetivas de futuro, presos em empregos precários e rendas impossíveis. Abril trouxe-nos a promessa de um país mais justo, mas essa promessa continua por cumprir. Abril abriu portas, mas nunca garantiu que todas e todos pudéssemos atravessá-las em igualdade de condições. Se em 1974 se gritava “O povo unido jamais será vencido”, hoje temos um país onde a união parece esmorecer diante do avanço das direitas reacionárias e do cansaço das lutas diárias. 

No contexto madeirense, a situação torna-se ainda mais gritante. O turismo domina a economia, inflaciona o custo de vida e obriga muitas pessoas a sair porque simplesmente não conseguem pagar para viver na sua própria terra. Quem pode dizer-se verdadeiramente livre quando a especulação imobiliária transforma casas em mercadoria e empurra os habitantes para fora dos seus bairros? 

E o que dizer da violência de género? A luta feminista também nos mostra que a liberdade ainda está incompleta. Ainda hoje, mulheres são mortas pelos companheiros, enfrentam discriminação no trabalho, carregam o peso das tarefas domésticas e do cuidado sem reconhecimento nem apoio. Se a liberdade não inclui o direito a viver sem medo, então a revolução ainda está por fazer. 

Forças progressistas continuam a lutar para que Abril não seja apenas uma memória. A liberdade não pode ser só um ideal abstrato; tem de ser vivida no dia a dia, nos serviços públicos que funcionam para todas as pessoas, nas casas onde ninguém tem medo de ser despejado, nas relações de trabalho onde há dignidade e respeito. Pela despenalização total do aborto, por uma justiça que verdadeiramente proteja vítimas de violência doméstica. Lutar por Abril é não deixar que a liberdade se resuma ao passado; é garantir que ela se constrói todos os dias, na rua, nos locais de trabalho, nas escolas e nas casas. 

Se Abril nos ensinou alguma coisa, foi que nada é imutável. A ditadura caiu porque houve coragem para enfrentá-la. Hoje, a ameaça pode não vir de um regime autoritário, mas sim da normalização das injustiças, da precariedade aceite como inevitável, do crescimento das direitas reacionárias que querem reverter as conquistas de Abril. 

Por isso, não podemos ser apenas celebradores de Abril. Temos de ser os seus construtores permanentes. A liberdade não é um marco histórico distante; é um processo contínuo, uma reivindicação constante. Se não continuarmos a lutar, corremos o risco de perder o que foi conquistado com tanto esforço e coragem. 

Viva Abril, mas um Abril vivo, em permanente construção! Um Abril que se renove todos os dias, com a força de quem não aceita menos do que a verdadeira justiça social.

Partilhe este artigo:

Contraponha!

Discordou de algo neste artigo ou deseja acrescentar algo a esta opinião? Leia o nosso Estatuto Editorial e envie-nos o seu artigo de opinião.

Mais artigos da mesma autoria: