Dividir para unir: os desafios da desagregação de freguesias e a gestão de ativos

"Restituir identidade e autonomia a muitas comunidades é um objetivo nobre, mas requer um planeamento minucioso, a definição de critérios claros e uma abordagem pragmática."

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No passado dia 12 de março, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou o diploma que dá luz verde à desagregação de freguesias, uma medida enquadrada pela Lei n.º 39/2021, de 24 de junho, e criada para reverter as uniões realizadas em 2012/2013 pela lei desenhada por Miguel Relvas de régua e esquadro. Esta decisão, embora tomada com visível hesitação por parte do chefe de estado, traz consigo uma regra clara e pertinente: não será permitida a criação de novas freguesias nos seis meses que antecedem uma eleição nacional. Esta disposição visa garantir que as 302 autarquias resultantes da divisão de 135 uniões anteriores estejam devidamente organizadas e operacionais para participar nas próximas eleições autárquicas, assegurando assim o regular funcionamento do ato democrático.

Este é um momento que, para além de ser carregado de significado, reveste-se também de grande sensibilidade. A reforma das freguesias de 2012/2013, liderada por Miguel Relvas, foi apresentada como uma medida destinada a otimizar recursos e incrementar a eficiência administrativa. Contudo, a perceção de muitos territórios foi bastante diferente, encarando-a como uma imposição centralista que fragilizou laços comunitários e reduziu a proximidade aos serviços. Agora, a desagregação propõe-se a corrigir esses ressentimentos, devolvendo autonomia a muitas freguesias. Contudo, é imperioso reconhecer que este processo não está isento de desafios, tanto no âmbito administrativo quanto financeiro.

Um dos aspetos mais intrincados desta transição é a divisão de ativos e passivos. Como redistribuir os edifícios, viaturas, equipamentos e passivos financeiros acumulados pelas uniões? Deverão a população ou a área geográfica ser os critérios balizadores dessas decisões? Embora não haja soluções perfeitas, é imperativo que qualquer abordagem esteja ancorada em princípios de transparência e equidade, evitando desigualdades entre as novas freguesias.

A questão dos passivos financeiros merece particular atenção. Quem irá herdar as dívidas contraídas pelas antigas uniões? Sem um planeamento rigoroso, algumas freguesias poderão iniciar a sua nova jornada com equilíbrios financeiros seriamente comprometidos. A divisão proporcional e sustentada dos passivos, aliada à supervisão eficiente pelas autoridades competentes, é um requisito inadiável.

A redistribuição de trabalhadores é outro ponto crucial. O que acontecerá aos funcionários das antigas uniões? Serão automaticamente absorvidos pelas novas freguesias ou serão necessárias reestruturações? Mais relevante ainda: como assegurar que todas as novas freguesias dispõem de pessoal suficiente para manter os serviços essenciais em funcionamento? Uma transição harmoniosa exige uma gestão criteriosa deste recurso vital.

Os contratos celebrados pelas uniões também configuram um desafio significativo. Contratos relacionados com a limpeza urbana, as manutenções de equipamentos, entre outros, precisarão de ser redistribuídos ou renegociados. Este processo pode implicar custos adicionais, potencialmente onerosos para freguesias com menos recursos. Assim, torna-se imperativo criar soluções que minimizem o impacto financeiro, especialmente para as mais vulneráveis.

Outro ponto de atenção é a preservação da coesão territorial. Embora a desagregação tenha como objetivo restituir identidades locais e proximidade aos serviços, é fundamental impedir e prevenir uma fragmentação excessiva. É importante reconhecer que há certas freguesias que podem beneficiar de modelos de gestão conjunta, mesmo desagregadas, para evitar a duplicação de esforços e o desperdício de recursos. Encontrar um equilíbrio entre proximidade e eficiência é, portanto, na minha opinião, um ponto essencial.

A desagregação de freguesias representa, sem dúvida, uma oportunidade única, mas também uma responsabilidade de grande magnitude. Restituir identidade e autonomia a muitas comunidades é um objetivo nobre, mas requer um planeamento minucioso, a definição de critérios claros e uma abordagem pragmática. Os desafios são inegáveis, mas, com vontade política, supervisão competente e a participação ativa das populações, é possível encontrar soluções que beneficiem a maioria. Confesso que a promulgação de uma lei sobre a desagregação das freguesias a seis meses das eleições autárquicas e com eleições legislativas já ali só reforça a hesitação do Presidente da República. Isso reflete as incertezas de muitos cidadãos e, ao mesmo tempo, provoca uma reflexão cuidadosa. Se orientado da maneira certa, este processo poderá abrir um novo capítulo para as freguesias em Portugal, onde a identidade e a proximidade aos serviços coexistem com eficiência e sustentabilidade. No entanto, em tão pouco tempo (espero estar enganado), é mais provável que surjam problemas do que se alcancem avanços significativos.

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21 anos, estudante de Contabilidade e Auditoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.

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