Este texto é um convite para que me acompanhe numa viagem através do complexo e doloroso mundo de alguém que se encontra num processo de Luto.
Para começar esta viagem, sugiro que o leitor faça o seguinte exercício: durante uns segundos suspenda a leitura do texto, feche os olhos e recorde um momento importante da sua vida, e tente eliminar das suas recordações uma pessoa que considere muito significativa. Faça o exercício agora.
Estou certo que, para quem fez o que propus, a tarefa se revelou praticamente impossível. Se assim foi, conhece um pouco melhor aquilo que se passa com alguém que está em luto e que sofre não só com as memórias do que perdeu, como com as emoções que essas memórias despertam.
Quando se fala de luto, é inevitável falar-se de ausência, da falta, da perda e da saudade, da dor e da impotência, e nalguns casos da revolta. Estas são apenas palavras que se encontram em qualquer dicionário, mas que nos dicionários emocionais de quem está em luto, desencadeiam sentimentos dolorosos.
Porque dói a ausência?
Dói essencialmente porque se é confrontado com uma dura verdade. Aquela pessoa valorizada afectivamente, agora só existe no plano das memórias, onde se mantém viva. Contudo no plano da realidade, essa pessoa já não está lá, e essa falta é geradora de um vazio. É uma sensação estranha, porque parece que o que se perdeu, afinal continua a existir e passa a ter vida própria dentro de quem sofreu a perda.
Porque dói a perda?
Dói porque perder implica confrontar-se com impressões desagradáveis, na medida em que a realidade mostra uma coisa, enquanto no plano das memórias a realidade parece ser outra.
Para a compreensão deste processo é fundamental perceber o que é que aquilo que foi perdido representava dentro de cada um. Nesse sentido, a elaboração do luto pressupõe sempre um entendimento do significado da perda. Chegar a esse entendimento e posterior aceitação leva tempo, mas o tempo não cura tudo, o que cura é o que se faz com o tempo.
É importante salientar que o luto é um processo normal. É normal sofrer quando se está em luto e todas as pessoas vivenciam perdas e lutos ao longo do seu ciclo de vida.
Também não é necessário que alguém morra para se estar em luto. Esse alguém pode simplesmente deixar de fazer parte da vivência diária, como por exemplo num divórcio. O luto também pode acontecer em consequência de uma desilusão ou de um abandono, de um problema de saúde, ou até após a perda de um emprego ao qual se atribuía muita importância.
Quase sempre estas perdas são geradoras de frustração, raiva ou inibição. É por isso que a inibição e a falta de interesse pelas actividades diárias são os principais sinais do processo de luto. Também é natural que surjam sentimentos de ameaça, essencialmente porque existe uma rutura súbita que provoca a sensação que o dano é irreparável, quase como se fosse uma amputação.
Nesta fase da minha reflexão, quero deixar claro que, embora se apresentem de forma semelhante, luto e depressão não são sinónimos.
Assim sendo vezes as pessoas julgam estar deprimidas, quando na verdade estão num processo de luto. Uma das grandes diferenças reside no facto de que a pessoa deprimida pode não saber porque está deprimida, ou pode mesmo nem reconhecer a sua depressão. Pelo contrário, a pessoa em luto, normalmente sabe porque está em luto. Por isso é comum referirem, por exemplo, que ficaram assim após a morte de um familiar, ou depois de ter perdido um emprego, ou após sofrerem uma desilusão. Estas são as pistas que normalmente indicam que a pessoa está envolvida num processo de luto e não numa depressão.
Durante um processo de luto as pessoas terão de se libertar e abandonar os seus velhos esquemas de funcionamento mental e emocional, para que se confrontem com a realidade: aquilo que foi perdido, pode estar para sempre perdido.
Aos poucos, este processamento de natureza cognitiva e emocional faz com que as pessoas se desvinculem dos laços emocionais previamente estabelecidos, para que dessa forma possam reinvestir em novas pessoas ou vivências.
Ao longo deste processo, cada um precisa do seu tempo e da sua dose de sofrimento. Por isso não há lutos iguais, nem na forma como se apresentam, nem na porção de tempo que duram. A percepção do tempo, é aliás uma dimensão que fica comprometida quando a pessoa está em luto, e é por isso que é frequente referirem que parece que já estão assim há anos, ou que já nem se lembram de como eram antes.
Para concluir, quero deixar bem claro que é fundamental respeitar quem está em Luto, permitindo-lhe sofrer a dor que precisa sofrer, ao seu próprio ritmo, sem pressas mas também sem hesitações, sempre com a noção de que quando se perde alguma coisa ou alguém valorizado, é sempre um pedaço de nós que se perde. Como diria Teixeira de Pascoaes:
“Pega esta lágrima no chão vertida,
Abandonada… e olha-a com fervor,
Que nela vai a parte de uma vida…”
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