“As crianças devem saber que são um milagre,
que desde o começo do Mundo, e até ao fim do Mundo,
não houve nem haverá outra criança como ela”
Pablo Casals
Os super-heróis fazem parte do imaginário colectivo da sociedade. Criaturas de estranhos poderes, força imensurável ou talentos inigualáveis, que normalmente defendem o bem, e acerca dos quais gostamos de acreditar que estão do lado certo da história, que curiosamente acaba por ser também o nosso lado da história, os super-heróis têm sempre capacidades sobre-humanas.
A maioria dos super-heróis, como por exemplo o Super-Homem, tem também um lado bastante frágil e mundano, conseguindo apenas transfigurar-se fazendo uso de determinados truques, poções ou equipamentos. Tudo isto acontece, claro está, num mundo de fantasia onde tudo pode acontecer, que é intemporal, e onde não existem impossibilidades nem limites.
No entanto, se olharmos à nossa volta, podemos facilmente identificar super-heróis de carne e osso, alguns deles com menos de metro e meio de altura, aparência frágil e assustada, e que não escondem nenhum truque, nem fazem uso de poções mágicas.
Refiro-me às crianças, cujo super-poder é viver diariamente num mundo que não construíram, que nem sempre entendem, e que é essencialmente destinado aos adultos que há muito perderam a capacidade de ser criança.
Acredito que a experiência de ser criança é bastante desafiante. Basta para isso o leitor imaginar pequenas coisas. Como será viver num mundo onde a maioria das pessoas é mais alta, mais forte, tem mais poder e usa determinadas lógicas e palavras diferentes da sua e que você não entende?
Enquanto uma criança pensa em brincar e divertir-se, a maioria das outras pessoas, os adultos, pensa em regras, cumprir horários, ou trabalho. Além disso, os adultos às vezes zangam-se uns com os outros, e não explicam porque choram ou estão tristes. Dizem que são coisas de adultos.
Imagine também que periodicamente tem de mudar de trabalho, de colegas, de chefes (como acontece quando as crianças mudam de ano lectivo ou de escola), ou que todos os dias lhe é exigido que aprenda competências novas. Tudo isto enquanto o seu corpo muda bastante, começa a pensar de outra forma, e a roupa deixa constantemente de servir.
Às vezes, aqueles que deveriam ser as suas fontes de segurança e conforto emocional, os pais, andam quase sempre ocupados, preocupados ou tristes, e portanto transformam-se em fontes de insegurança e desconforto emocional.
Ser criança é desafiante e por vezes assustador. Todos os dias trazem novidades às quais é preciso adaptar-se. Perante este turbilhão emocional e instabilidade próprios do crescimento, o papel dos adultos é o de não acrescentar mais instabilidade, ser uma fonte de segurança e conforto, aquele porto de abrigo onde as crianças se podem refugiar sempre que se sentem assustadas ou têm dúvidas.
Através dos modelos educativos, muitas das crianças perdem a sua capacidade de ser super-herói.
Um dos erros dos actuais modelos educativos é tentar transformar as crianças em adultos miniaturizados, máquinas de bom comportamento, de boas notas ou cumprimento de regras e horários.
Outro erro é esperar que as crianças pensem ou planeiem o futuro obedecendo às lógicas dos adultos ou entendam e aceitem os problemas próprios das cabeças dos adultos.
Perante tudo o que têm de enfrentar, costumo dizer que muitas das nossas crianças, mesmo sem o saberem, são já os super-heróis que sempre sonham ser nas suas fantasias.
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