Tempo de leitura: 6 minutos

Introdução

Desde que me conheço enquanto pessoa que o conceito de dinheiro me faz alguma confusão e, por conseguinte, temos mantido uma relação algo conflituosa, diria até tóxica. Neste texto, partilho com os leitores a minha história com o dinheiro para refletirmos em conjunto sobre alguns temas da atualidade. Afinal de contas, o dinheiro está em todo o lado e, no fundo, tudo é sobre ter ou não dinheiro. 

A minha história

Quando era miúda, enquanto a maior parte dos meus pares roubava dinheiro dos pais às escondidas, eu fazia precisamente o contrário: quando os apanhava distraídos, enfiava-lhes moedas de 1€ nas carteiras. Não sei bem porque razão o fazia. Afinal, nunca nos faltou nada. Mas desde cedo que tenho noção de que o dinheiro é uma “coisa”, um “assunto”. E talvez por isso não queria que os meus pais se preocupassem (como se o 1€ que metia nas suas carteiras volta e meia fosse fazer uma diferença descomunal). 

Quando era adolescente e a crise nos trocou as voltas à vida, a minha mãe ficou desempregada. Com duas filhas menores, e mesmo o meu pai ganhando acima da média, de repente já não dava para tudo. Recordo-me de estar na casa de banho e, com os olhos em água, a minha mãe partilhar que tinha de pedir, outra vez, dinheiro à minha avó para fazer face às contas do mês. Isso marcou-me e revoltou-me. Talvez por isso tenha começado a trabalhar aos 16 anos. Não por necessidade propriamente dita, mas porque queria muito a minha independência financeira. Já me arreliava bastante ter que pedir dinheiro aos meus pais para as minhas coisas. E então fui lavar as cabeças das velhotas, no cabeleireiro da terrinha. Acordava cedo ao sábado, mas recebia elogios, rebuçados, e gorjetas chorudas. Nesse verão fui também trabalhar para a apanha do mirtilo. E com o dinheiro que ganhei, fui com as minhas amigas uma semana para o Algarve, fazer a nossa viagem de finalistas. Em setembro desse mesmo ano arranjei algo mais estável: fui trabalhar para um café. E, com o meu primeiro ordenado, comprei o meu primeiro (e atual) computador. A coitada da senhora da Worten teve de desamarrotar e contar notas de 10 e 20 até perfazer os 500€ do valor do portátil. 

Quando entrei na faculdade tinha a certeza de que receberia bolsa de estudo. Todos os meses os meus pais perguntavam várias vezes se havia notícias relativamente ao resultado da candidatura mas ainda nada. E eu nervosa de ter de desistir do curso que estava a adorar por não conseguirmos pagar as propinas. Já estava a desesperar quando em janeiro lá caiu o dinheiro. Talvez nunca viesse a terminar os estudos sem esse apoio financeiro. 

A atualidade

Entretanto é 2023. 6 anos, um gap year, uma licenciatura e um mestrado (quase terminado) depois, ainda estou no tal cafézito. Nunca mais parei de trabalhar. Durante o semestre vou fazendo umas horas aos fins de semana e no verão faço horário completo. Não é perfeito mas é exequível. 

Hoje, com 23 anos, tenho sempre a conta nas lonas. Porque gosto demasiado de aproveitar a vida: ir jantar fora ou ao cinema, dar uma volta com o meu namorado ou tomar café com as minhas amigas. Vivo como “rica” com ordenado de “pobre”, mas vou conseguindo gerir a coisa, uns meses melhor do que outros. Não poupo porque não sei o dia de amanhã e quero muito aproveitar o presente. No entanto, como jovem adulta que sou, questiono-me quando sairei de casa dos meus pais e se algum dia vou conseguir comprar casa ou carro. Espero que sim, mas tenho medo que não. 

Sou trabalhadora, esforçada, dedicada e competente, disso tenho a certeza, mas também bem sei que nem sempre chega. Não sonho demasiado alto, tenho os pés bem assentes na terra. Não quero luxos nem viagens caríssimas. Sou feliz com pouco. Mas queria viver descansada, sem ter que andar sempre a contar trocos, a ter de decidir se é mais prioritário ir ao dentista ou à psicóloga. Queria um pouco de estabilidade para poder ver (algum) mundo, ter um espaço a que pudesse chamar “casa”, viver tranquilamente (e não apenas sobreviver). Será que estou a pedir demasiado? Espero que não, mas tenho medo que sim. 

A verdade é que a cultura laboral portuguesa mete-me asco. Passamos mais tempo fechados nos nossos locais de trabalho, a olhar para computadores, do que efetivamente a conectar com as pessoas que nos rodeiam. Às tantas parece que já não sabemos nada dos nossos amigos e familiares. Não suporto essa “vida” que nos drena e não quero alimentar este sistema. Mas como quebrar o ciclo? Como calo as vozinhas na minha cabeça que me chamam de preguiçosa por não querer trabalhar 9h por dia? Como posso estar a descansar relaxada sem me sentir culpada por não estar a ser super produtiva a toda a hora? Será que só emigrando é que conseguirei o estilo de vida que procuro? Espero que não, mas tenho medo que sim. 

Resumindo e concluindo: eu e o dinheiro temos uma relação de amor-ódio. Com ele posso escolher e ser livre. Mas para o ter, não sou livre nem tenho grande opção de escolha. Tenho de trabalhar que me lixo*. Pode ser que dê para juntar o útil ao agradável e encontre uma profissão que me permita ganhar dinheiro de forma menos penosa. Trabalhar para viver, e não viver para trabalhar. Recuso-me, quero e mereço mais! Espero que sim, mas tenho medo que não. 

* Sei que existem outras formas de fazer dinheiro, como por exemplo diferentes tipos de investimentos. No entanto, esta é uma área que está bastante fora da minha zona de conforto e de expertise. Além disso, poderá dizer-se que sou algo aversa ao risco e que, mesmo que não fosse, neste momento não teria capital para investir no que quer que fosse (nem sei se alguma vez terei). E há mais uma coisa: jogar com dinheiro é algo que me faz alguma confusão a nível moral (o que talvez seja um pouco parvo, mas é a realidade).

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Um comentário a “Dinheiro: às vezes amor, outras ódio”

  1. Avatar de Hélder Caldeira

    Em uma palavra: Resiliência.
    Uma grande mulher.

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