Contextualização
Este artigo é baseado num ensaio que realizei há cerca de 2-3 anos, durante a COVID-19, no qual me debrucei sobre o medo da morte e a sua influência perante a política internacional. Apresento, de uma forma rápida, várias perspetivas filosóficas deste medo existencial que nos assombra (ou não) diariamente e argumento que talvez esse tenha sido o maior motor das políticas da COVID-19.
O motor da vida
Durante a pandemia COVID-19, independentemente das ideologias ou da moralidade das decisões dos governos mundiais, a maioria das nações fechou-se com o objetivo de proteger a vida humana. Esta ação pode ser analisada tendo em conta o medo da morte, algo que é transversal entre várias culturas. Seguem algumas perspetivas sobre este medo…
Começamos com Ernest Becker, que defendeu que tudo o que fazemos é uma derivação do medo da morte. Sheldon Solomon, Jeff Greenberg e Tom Pyszczynski apoiaram-se nos ombros de Becker para desenvolver a sua teoria de gestão do terror, onde defendem que a nossa consciência da morte nos aterroriza, mas que, no entanto, conseguimos desenvolver crenças partilhadas que dão propósitos e significados que nos transcendem como indivíduos, reduzindo então o nosso terror da morte. Um excelente exemplo disto é a nossa vontade de sermos relembrados post mortem pelos nossos valores ou pela forma como contribuímos para a história da Humanidade.
Epicuro, por sua vez, tem uma posição bastante concisa e poderosa sobre a morte, na qual refere que a morte nunca poderá ser algo de mau para nós porque: se estamos vivos, a morte não nos afeta; se estamos mortos, já não existimos, por isso a morte não nos afeta. Simples e eficaz, apesar de facilmente posta de lado caso acreditemos em vida após a morte. Mas, continuando as posições de negação do medo de deixar de existir, Zhuangzi, um filósofo oriental do século IV A.C, sublinha a nossa ignorância sobre a natureza da morte e faz-nos refletir sobre a função da morte, analogamente a Aristóteles. Se nós vemos a vida como boa, temos de ver a morte como boa. Tal como uma boa faca apenas o é se cortar bem, a morte cumpre perfeitamente a função de finalizar a nossa vida e de nos dar descanso – logo, a morte é boa. Vemos, no entanto, neste autor, uma possível alusão a algo que tem de existir após a morte, um “descanso” da vida. Se existir uma vida após a morte, então porquê temer a morte?
Lucrécio argumenta que o medo da não existência após a morte é análogo à não existência prévia à vida, e se a última não é má para nós, como pode ser a primeira? Fred Feldman contra argumenta baseado na privação da vida, algo que a morte nos traz, mas que o período pré-natal não traz, daí temermos mais o fim da existência. Ou seja, o facto de vivermos faz com que não queiramos parar de viver, e por isso nunca será igual ao período de não-vida antes de nascermos.
Por último, menciono Lame Deer, onde, numa crítica ao modernismo, menciona que estamos alienados da morte. Podemos pensar que é quase uma perspetiva negativa da teoria da gestão de terror, mencionada previamente. Para este filósofo, temos de conseguir aceitar a morte, e a cultura moderna difunde a nossa atenção para fora de nós próprios, tornando-nos espectadores da nossa vida. No entanto, para realmente conseguirmos levar uma vida com um propósito, temos de lidar com a morte.
O que terá motivado o confinamento da COVID-19?
Apelo à reflexão sobre os motivos subjacentes a esta ação de confinamento. Será que realmente foi o valor da vida humana que prevaleceu? Ou será que foi o medo da morte? Eu posiciono-me no argumento do medo da morte.
Justifico o confinamento com base nas raízes ideológicas que quase todas as religiões do mundo plantaram. Atualmente, a espiritualidade perde poder para a modernidade. No entanto, temos estas raízes morais bastante presentes em todos. O ensinamento moral que recebemos dos nossos antepassados, muito mais ligados à religião do que nós, perdura em tempos de crise. Por todo o mundo, com significados diferentes, mas com intenções semelhantes, as religiões partilham a ideologia da preservação da vida do outro, sempre inspirando algum medo da morte. Este terror sucede do impacto da morte para a maioria das fés, onde iremos ser julgados pela forma como seguimos os mandamentos e ensinamentos das mesmas durante a vida. Então, o que argumento é que o medo do juízo da nossa vida, composto com as regras morais que nos ensinaram a seguir para que esse juízo seja favorável, resultou no esforço da proteção da comunidade em tempos pandémicos. Então e se não quisermos ter esta compaixão para com o outro? As religiões aqui respondem com o conceito de “castigo” no pós-morte. E o medo que esse “castigo” nos inflige, estará na raíz da nossa compaixão?
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