Contextualização
Li, muito recentemente, A Arte da Guerra por Sun Tzu, e inevitavelmente dei por mim a contrapor Putin e Zelensky nas suas valências beligerantes. Analisarei a horrível guerra na Ucrânia com a ajuda de vários excertos que citarei desta obra de arte atemporal.
“Há que valorar a guerra em termos de cinco fatores fundamentais, e fazer comparações entre as diversas condições dos adversários, com vistas a determinar o resultado da guerra. (…) A lei moral significa aquilo que faz com que o povo esteja em harmonia com o seu governante, de modo que o siga aonde for, sem temer pela sua vida, nem de se expor a qualquer perigo. (…) O comando há de ter como qualidades: a sabedoria, a sinceridade, a benevolência, a coragem e a disciplina.”
É por estes dois fatores fundamentais – a lei moral e o comando – que deambularei por agora. Começando pela primeira, reparem… “o povo esteja em harmonia com o seu governante”. Bem, harmonia é uma palavra complicada: segundo a Priberam, tanto pode significar 6. paz e amizade entre pessoas; concórdia, como 7. conformidade; coerência. Parecem coisas parecidas, mas não o são: imaginem que eu sou um líder tirano; agora imaginem que acabei de envenenar o meu maior concorrente político. Coerente fui. Pacífico nem por isso. Fugindo da semântica, e assumindo a definição de concórdia para a palavra harmonia, é-nos relativamente fácil de ver que Putin não está em harmonia nem com o seu povo nem com os seus compadres. Pelo outro lado, Zelensky está em harmonia com (quase) todo o mundo ocidental. Por este fator, diríamos que Zelensky está em vantagem. Mas, que peso terá este fator?
Passando ao segundo fator: sabedoria, sinceridade, benevolência, coragem e disciplina. Diria que sobre este tópico não há muito a falar, dado que um dos líderes tem estas qualidades e o outro finge bastante bem. Mergulhando por breves segundos na importância de um filósofo na liderança: quem nos dera que todos os nossos líderes, desde o Presidente da República até ao Presidente da Junta, tivessem todas estas qualidades ao máximo.
“A arte da guerra baseia-se no engano. Portanto, quando és capaz de te atacar, deves aparentar incapacidade e, quando as tropas se movem, aparentar inatividade.”
Aqui Zelensky e o Oeste ganham a vantagem. Nem Putin nem ninguém foi capaz de prever que a Ucrânia iria resistir tanto tempo e com tanta força. Fomos bem enganados, e ainda bem.
“Uma vez começada a batalha, ainda que estejas a ganhar, se continuares por muito tempo, desanimarás as tuas tropas e embainharás a tua espada. (…) porém nunca se viu nenhum especialista na arte da guerra que mantivesse a campanha por muito tempo. Nunca é benéfico para um país deixar que uma operação militar se prolongue por muito tempo.”
Com este excerto auto-explicativo, espero apenas que Putin esteja próximo de embainhar a estada.
“Se o teu oponente tem um temperamento colérico, tenta irritá-lo. Se é arrogante, trata de adular o seu ego.”
Este excerto fez-me pensar no quão o temperamento de ambos os líderes está nos olhos dos seus apoiantes. Para um pró-russo, Putin tem a honra e a vantagem moral do seu lado, da mesma forma que o Ocidente apoia Zelensky. Faço outro mergulho na política atual: para onde foi a importância do temperamento e do carisma? Será que votamos puramente na soma de políticas com as quais concordamos? Recordo-me de um website que nos fazia responder sobre a concordância com diversas políticas, para nos associar a um partido e assim nos ajudar a votar. Apesar de útil, este votómetro não inclui um ponto essencial: por muito boas que as políticas sejam, são os políticos que as põem em prática. E os políticos são (deviam ser ainda mais) líderes. E nós, como povo, temos também um desejo intrínseco de sermos (bem) liderados. Por isso, deixo o apelo de incluírem o político na política no vosso próximo voto (se já não o fazem, claro está).
“Se conheces os demais e te conheces a ti mesmo, nem em cem batalhas correrás perigo; se não conheces os demais, porém te conheces a ti mesmo, perderás uma batalha e ganharás outra; se não conheces aos demais nem te conheces a ti mesmo, correrás perigo em cada batalha.”
Infelizmente não me sinto capaz de criar mais analogias entre o livro e a guerra da Ucrânia (e já as comparações supra foram bastante conservadoras dado o quão leigo me sinto no que toca a conflitos). No entanto, este excerto de Sun Tzu tocou-me ao ponto de o querer referir neste texto. Diria que Sun Tzu tem razão, mas diria mais: a derradeira batalha é o autoconhecimento. Esta semana tive o prazer de conhecer o Dr. Jordan Peterson numa palestra no Porto, que nos disse que “a vida é a luta entre o bem e o mal, ao mesmo tempo que a luta entre o caos e a ordem ocorre. Isto tudo, dentro de cada indivíduo.”
Vivemos em paz no resto da Europa. Mas tanto Sun Tzu como Peterson diriam que enquanto não nos conhecermos a nós mesmos, não existirá paz. Desembainhemos as nossas espadas.
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