Esperar que uma disrupção seja completamente pacífica e “sem ondas” é irrealista. Este é um artigo de resposta à opinião de João André Jesus.
Temos, na nossa identidade, uma fantasia criada a volta do 25 de Abril de que é possível uma revolução pacífica e, até, poética na sua totalidade. Pasme-se que isso não é verdade. Depois de uma rutura de um regime, é incompreensível esperar que a transição para um novo não seja difícil e marcada por instabilidade.
Podemos também pensar que, depois de um período de autoridade, quando um povo é libertado, por militares, se liberta também a raiva e outros sentimentos que nunca queremos admitir que temos e que nos movem. Isto não é saudosista – é realista. E olhar para a realidade entendendo que um grupo oprimido não se revolta pedindo, com muita licença, para que os seus direitos lhes sejam garantidos.
Estas revoltas muito se poderiam assemelhar a tomada de poder pela força do proletariado (a título de curiosidade: a ditadura do proletariado é teorizada como um período transitório). Na verdade, os ideais e valores marxistas e outros istas há muito que se iam espalhando nas mentes opositoras do regime.
É possível imaginar que também o medo se instaura. Aliás, o exemplo que tínhamos de “regimes socialistas” assentavam nas então “ditaduras de sinal oposto”. Regimes autoritários assentes em ideias socialistas, mas com muito que se lhe diga – disto falamos noutra altura.
Falar de 25 de Novembro e não falar do grupo dos nove e do seu documento, espanta-me. Espanta-me o apagar do outro lado que se debatia. Espanta-me este apagar das posições militares opostas que se defrontaram. Espanta-me que se acuse o PCP de golpe de estado (aproveito para mencionar que não sou militante do PCP, nem pouco mais ou menos), sem falar de que a sua contribuição democrática não esteve em causa nessa discussão e a sua participação neste dia é difusa e contraditória entre fontes.
Sou muito reticente em interpretar esta data como o fechar de um ciclo, porque muito mais aconteceu depois, mas é muito conveniente tentar igualar duas datas que não são iguais. Legitimiza o discurso fraco e que continua a desejar que o status quo nunca tenha mudado. Imagine-se então, ser possível, que sendo o 25 de Novembro a data que marcaria a plenitude da democracia, a palavra socialismo esteja presente na constituição?
Será possível que, com a memória tão fresca, os nossos antepassados que governaram este jardim à beira mar plantado não o quisessem celebrar com a mesma importância que o 25 de Abril?
Muitos celebram a “reposição dos factos”, mas eu tenho sérias dúvidas que, mesmo com pessoas vivas para contar a história e fazendo-o publicamente, não estejamos a tentar reescrever o passado.
E já temos vindo a ouvir: “Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.



































































































