Há crianças que não se limitam a perguntar “porquê?”, mas “por que é que o porquê é o porquê?”. São mentes que não se contentam com respostas simples, que pensam em espiral e veem ligações onde outros veem pontos soltos. Crescem fascinadas com o conhecimento, mas, muitas vezes, esse fascínio transforma-se em exaustão. A curiosidade, quando não encontra espaço para se expandir, pode tornar-se num peso.
A sobredotação ou as chamadas altas habilidades são frequentemente confundidas com privilégio, quando, na verdade, representam uma forma de diferença. E como acontece com toda a diferença, o que determina o bem-estar não é o talento em si, mas o modo como a sociedade e, em especial, a escola, lidam com ela.
Vivemos presos a um modelo educativo padronizado, pensado para a maioria. É um sistema que mede o progresso em linhas retas, calendários e notas, mas a mente humana não funciona assim. As crianças com altas habilidades cognitivas não avançam apenas mais depressa; pensam de forma diferente. E, quando o ritmo da mente é mais veloz do que o da estrutura, surge o desencontro: o tédio, o isolamento, a perda de motivação.
Muitos desses jovens acabam por ser vistos como distraídos, inquietos ou difíceis. Outros camuflam o que sabem, por medo de serem rotulados ou rejeitados. A escola, em vez de um espaço de descoberta, torna-se num lugar de conformidade. O sistema não os desafia e eles, sem perceber, aprendem a travar o pensamento. É uma forma silenciosa de mutilação intelectual.
O impacto não é apenas cognitivo, é também emocional. A mente que pensa demasiado rápido, mas sente que não pertence, vive em conflito. Há uma solidão peculiar em ser intelectualmente diferente num mundo que valoriza o igual. Muitos desses jovens desenvolvem ansiedade, perfeccionismo extremo e auto exigência. Querem corresponder, mas não sabem a quê. Querem ser compreendidos, mas falam uma língua que poucos entendem.
Curiosamente, o que começa como curiosidade, motor vital e forma de estar no mundo, transforma-se em exaustão. O brilho nos olhos dá lugar à apatia. Aquela energia de descobrir o novo esgota-se na repetição de tarefas sem sentido, em programas desajustados, em contextos que confundem intensidade com problema.
O mais trágico é que esta situação não decorre da falta de capacidade, mas da ausência de compreensão. Portugal, como tantos outros países, continua a não ter uma política pública estruturada de identificação e acompanhamento das altas habilidades. Fala-se em inclusão, mas a inclusão não se faz apenas debaixo; faz-se também acima. Incluir é reconhecer a diversidade em todas as direções e isso implica dar espaço à diferença cognitiva, à criatividade e ao pensamento divergente.
Quando a escola não acompanha, a curiosidade morre cedo. E com ela, perde-se mais do que um potencial académico: perde-se a chama que move o progresso. São essas mentes inquietas, insatisfeitas e criativas que abrem caminhos novos, que questionam o óbvio e reinventam o possível. Mas para que isso aconteça, precisam de encontrar no sistema educativo um espelho, não uma parede.
Reconhecer a sobredotação não é criar elites, é criar equilíbrio. É perceber que cada aluno aprende de forma única e que a igualdade só existe verdadeiramente quando se reconhece as diferenças. Educar para o potencial é, no fundo, educar para a humanidade.
No fim, talvez o maior erro do nosso sistema seja confundir ordem com progresso, uniformidade com justiça e silêncio com aprendizagem. A mente que corre não precisa de travões, precisa de horizontes. E quando a curiosidade é respeitada, deixa de ser exaustão para voltar a ser o que sempre foi: o primeiro passo da criação.































































































