Caro leitor, quero partilhar consigo uma imagem que a minha mente formulou. Surgiu-me enquanto estava a fazer o meu trabalho de investigação filosófica a seguinte questão, associada à imagem que descrevo adiante: porque é que o indivíduo carrega as pedras que sustentam a muralha?
A imagem é simples: um indivíduo, cujo trabalho dele é carregar, organizar e dispor as pedras que reforçam a muralha que está em volta das habitações da comunidade onde está inserido. Podemos resumir esta imagem a um castelo com os seus habitantes lá dentro, sim. Mas não é necessariamente um castelo. Pode ser outra estrutura qualquer.
Esse habitante (vamos chamar-lhe Thaumazein), levanta-se todos os dias com o sol, sai da muralha, vai procurar pedras ao bosque, carrega as pedras com ajuda de um carrinho feito de madeira, leva-as para dentro da muralha, trabalha-as com um cinzel e, depois, aplica-as em diferentes sítios da muralha, para a reforçar. Ao final do dia, quando a noite chega, para o trabalho, vai para casa, come alguma coisa, convive um pouco com a família e depois vai dormir.
A vida de Thaumazein é essencialmente trabalhar para reforçar a muralha. Outras pessoas na comunidade terão outros trabalhos, outras funções, mas vamos focar apenas na vida deste senhor.
Porque é que Thaumazein faz este trabalho? Porque é que lhe dedica todo o tempo da sua vida (vamos assumir assim)? É necessário reforçar a muralha? O que acontece se a muralha não for reforçada? Pode ruir? Ok. Vamos por esse caminho. A muralha cai. As pessoas ficam em pânico, porque acreditam que só estando cercados por ela estão em segurança. No entanto, por vários motivos, passam dias, semanas, meses, e as pessoas não reconstruíram a muralha e não aconteceu nenhum problema devido à sua ausência.
Começa a surgir na cabeça das pessoas a questão: “Ah… afinal a muralha não estava ali a fazer nada! Mas porque é que havia muralha, então?”. Começa, também, a surgir a questão na cabeça de Thaumazein: “Tenho andado este tempo todo a trabalhar na muralha, de sol a sol, e, afinal, não era preciso? Desperdicei este tempo todo, quando podia estar a fazer outras coisas que mais gostava?”.
Tanto a comunidade como o próprio Thaumazein foram iluminados pelo espanto. O espanto de intuir que, afinal, há qualquer coisa que não era como eles acreditavam ser. E mais, surge o pensamento: “Mas se a muralha sempre esteve ali, por algum motivo foi. O que aconteceu antes da minha existência para ser construída?”. Todos começaram a perguntar, entre si, se os seus antepassados familiares já tinham nascido com a muralha construída. Todos afirmaram que sim.
Entretanto, Thaumazein começou a perceber que podia fazer outro trabalho em benefício da comunidade, mas que esse trabalho lhe daria mais tempo para, em casa, pensar neste assunto da muralha. Thaumazein começou a investigar a possível necessidade daquela construção, formulando a hipótese de, no passado, realmente terem acontecido ataques à comunidade. No entanto, Thaumazein também percebeu que essa realidade já não acontecia. Surgiu, então, outra dúvida na sua cabeça: “Será que há mais coisas que, afinal, já não fazem sentido serem feitas, ou até pensadas, como costumo fazer ou pensar?”. Um novo espanto surgiu na sua mente.
Sem se aperceber, começou, aos poucos, a reformular a forma como até então agiu na sua vida, tanto no seu trabalho, como na socialização com as pessoas na sua comunidade. Inclusivamente, começou a partilhar a investigação com as pessoas da sua comunidade. Mas em vão. Aquilo que Thaumazein chegara à conclusão era visto como um perfeito disparate. As pessoas começaram a opor-se às ideias de Thaumazein, deixando-o cada vez mais sozinho e menos integrado na comunidade. A sua descoberta foi tanto uma revelação, como uma separação.
Caro leitor, o que faz pelas suas muralhas e para elas não colapsarem?