Afinal, quem dá ou tira tempo? E onde ficam os Cuidados Paliativos no meio de tudo isto?

"Quando falamos de Cuidados Paliativos a estas pessoas, familiares ou até mesmo a alguns profissionais de saúde, as respostas costumam ser “ainda não” ou “ainda não estou nessa fase”. Afinal, que fase é esta, a dos Cuidados Paliativos?...

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A longevidade é um dos maiores focos da atualidade. A pessoa mais velha do mundo tem na data de hoje, 116 anos e a grande questão que fica é: podemos viver muito, mas como?

Esta questão torna-se ainda mais pertinente se no caminho formos apanhados por uma doença incurável (sim, fatal, talvez não hoje ou amanhã, mas um dia). Leia-se, por doença incurável, doença crónica, doença avançada, doença progressiva, a qual se estende muito para além de doenças oncológicas. Falamos também de doenças neuromusculares, respiratórias, cardíacas, renais, infecciosas, neurológicas e toda uma lista que seria difícil de elencar aqui. 

Com o avançar destas doenças percebemos que o fator tempo paira sempre nas conversas. A verdade é que, com todas as intervenções e terapias disponíveis atualmente, aumentamos também a longevidade dentro da doença e é aí que começa a verdadeira “corrida” pelo tempo. Corrida por mais uma opinião, mais um tratamento, mais uma esperança. Embora válida, essa corrida tende a afastar a ideia do desfecho inevitável e, por vezes, até a negá-lo. 

Quando falamos de Cuidados Paliativos a estas pessoas, familiares ou até mesmo a alguns profissionais de saúde, as respostas costumam ser “ainda não” ou “ainda não estou nessa fase”. Afinal, que fase é esta, a dos Cuidados Paliativos?

Muitos responderiam “o fim de vida”, o qual, em teoria, compreende os últimos 6 meses a um ano de vida da pessoa, em senso comum, costuma referir-se ao leito de morte. Contudo, “a fase dos Cuidados Paliativos” não se mede em tempo, mas sim em necessidades de controlo de sintomas (quer físicos, quer emocionais, quer sociais), as quais podem surgir desde o diagnóstico.

Este erro de conceção leva a que a referência a uma equipa especializada seja adiada até um ponto em que há uma grande limitação de intervenção e em que a pessoa já vem de uma experiência de meses ou anos de sintomas descontrolados, perda de esperança e até de sentido de vida. Aqui volto à questão inicial: mesmo dentro da doença conseguimos viver mais, mas como?

Olhando para a “corrida pelo tempo” surge ainda outro erro de conceção sobre os Cuidados Paliativos, a ideia de que vamos encurtar o tempo disponível, sobretudo associada aos fármacos usados. Quanto a isso, resta-me dizer: grandes desafios, grandes armas. Ou seja, não podemos querer mitigar sintomas de doenças de grande complexidade com o mais básico que existe. Têm ainda surgido estudos sobre o conceito de symptom burden (impacto do descontrolo sintomático na vida da pessoa), o qual tem sido progressivamente relacionado com a diminuição do tempo de vida da pessoa em causa. 

Quem me ler e for da área provavelmente dirá: o que importa não é a quantidade de dias, mas a qualidade dos mesmos. Sendo que eu retribuo com a seguinte questão: para quem? Nós, profissionais, ou para a pessoa e familiares?

Espero que, no decorrer do acompanhamento em Cuidados Paliativos, a resposta passe a ser “para todos os envolvidos”, mas, numa fase inicial importa esclarecer: o controlo de sintomas não lhe tira tempo, muito pelo contrário.

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Enfermeira, Mestre em Cuidados Paliativos pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Autora do projeto no Instagram “Paliativo também é uma palavra” (@paliativospt) com foco na literacia em Cuidados Paliativos, de forma a que sejam um termo dito e de acesso por todos, sem receios e mitos.

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