Num mundo onde o corpo é frequentemente visto como uma máquina de performance, o fisiculturismo destaca-se como uma das práticas mais exigentes — física e psicologicamente. Falo com conhecimento de causa: além de estar em preparação para uma prova, sou também psicóloga. Vivo esta realidade no corpo, estudo-a na mente.
O que muitos desconhecem é que o fisiculturismo é, acima de tudo, um exercício profundo de controlo mental. A ciência explica o crescimento muscular — através da sobrecarga progressiva, da síntese proteica e do descanso. Mas quem explica a motivação para repetir este ciclo todos os dias, com precisão quase obsessiva? É aqui que entra a psicologia — não como coadjuvante, mas como elemento central.
Estudos da psicologia do desporto mostram que fatores como motivação intrínseca, autorregulação emocional e resiliência cognitiva são cruciais no desempenho de atletas de alta performance. No fisiculturismo, estes aspetos são levados ao extremo. Treinar com fadiga, cumprir planos alimentares rigorosos, gerir a ansiedade da competição — tudo exige uma mente treinada com tanto afinco quanto o corpo.
Além disso, muitos atletas enfrentam o espectro da dismorfia corporal — uma condição psicológica que distorce a perceção da própria imagem. Apesar da evolução física, o espelho muitas vezes não devolve aquilo que se esperava ver. E é aí que o apoio psicológico se torna essencial: para prevenir.
Enquanto psicóloga, consigo observar em mim própria o que estudo nos outros: os mecanismos de defesa, o conflito entre ego e autoestima, a força da motivação interna versus a pressão externa. Nesta fase de preparação, sigo uma dieta meticulosamente calculada e treino mesmo quando o corpo pede pausa. Entretanto, o mais exigente não é o físico — é a gestão emocional: as dúvidas, o isolamento, o sacrifício invisível aos olhos de quem não compreende este caminho.
Houve dias em que pensei em desistir. Mas foi precisamente o conhecimento que tenho da mente humana que me fez continuar — não por teimosia, mas por consciência. Esta jornada não é apenas sobre estética: é sobre vencer padrões mentais, é sobre autorrealização, é sobre explorar os limites do eu.
Muitos fisiculturistas relatam momentos de flow — um estado psicológico estudado por Mihaly Csikszentmihalyi em que a pessoa está totalmente imersa numa atividade, com foco absoluto e perda da noção do tempo. No meu caso, o treino torna-se quase um ritual: cada repetição, cada gota de suor, é uma forma de meditação ativa. E talvez seja essa sensação de controlo absoluto — do corpo, da agenda, da alimentação — que nos seduz. Num mundo imprevisível, o fisiculturismo oferece estrutura. No entanto, a linha entre controlo e compulsão é ténue, e exige vigilância psicológica constante.
Acredito que o fisiculturismo deveria ser encarado como um campo de intervenção mental, e não apenas física. A busca pela perfeição corporal pode abrir portas à frustração, ao isolamento, à comparação tóxica. A prevenção começa no conhecimento. Por isso, defendo que todos os atletas — amadores ou profissionais — deveriam ser acompanhados não só por treinadores, mas também por psicólogos. Não é um sinal de fraqueza. É um ato de coragem.
Fisiculturismo não é apenas o culto ao corpo — é um campo de batalha silencioso onde a mente é tanto arma como inimigo. Como psicóloga e atleta, vejo esta prática como uma metáfora viva do que é ser humano: vulnerável, ambicioso, em constante reconstrução. E se há algo que aprendi, é que o verdadeiro progresso começa dentro — muito antes de se ver por fora.