Porque é tão difícil estabelecer uma sintonia com uma pessoa (ou várias), sobre um determinado assunto?
Este problema, embora tendo por base premissas facilmente compreensíveis e naturais, torna as interações entre as pessoas, no dia a dia, muito complicadas. Seja no seio familiar, seja entre amigos, seja no emprego ou em qualquer outra área da vida das pessoas. Mas o que está na base desta dificuldade, cada vez maior de, pelo menos, duas pessoas, estarem a falar de uma mesma coisa, mas, a “imagem” que cada pessoa descreve daquele mesmo assunto, ser diferente?
As nossas vivências (sendo que há mais fatores), desde que nascemos, moldam a forma como percebemos o mundo à nossa volta (a nossa cidade, as pessoas que conhecemos, os amigos, família), como nos percebemos a nós mesmos e faz com que criemos uma determinada imagem do mundo distante (o mundo do lado outro do oceano).
Para juntar a esta via de perceção, também recebemos informações através das redes sociais e comunicação social, que nos transmitem as coisas que estão a acontecer. Ou melhor, o que outras pessoas (no caso da comunicação social, jornalistas) dizem sobre um determinado evento, que não necessariamente é o que realmente está a acontecer naquele sítio. Não estou a colocar o trabalho da comunicação social em causa. Estou apenas a afirmar que uma coisa é o que chega até nós pela televisão, outra coisa é aquilo que realmente poderíamos constatar, se estivéssemos naquele sítio a assistir aos acontecimentos.
Muitas vezes, aquilo que chega até nós, novamente, seja pelas redes sociais seja pela comunicação social, já vem filtrado. Já vem “contado” sob um prisma enviesado de interpretação, das próprias pessoas que contam aquela história. Apesar de isto parecer uma crítica, não o é. É mesmo assim que a comunicação funciona – não se julga aqui, se bem ou mal.
Tudo isto serve, como referi anteriormente, para reforçar a ideia de que, uma pessoa, uma única pessoa, irá sempre sentir o mundo de acordo com características dela (das quais, essas, não importa tanto para este texto), como também das próprias experiências que ela teve, ao longo da vida. É isto que irá configurar, nessa pessoa, o mapa mental dela.
Ora, estamos a falar de uma pessoa, que podíamos chamar de Mohammed. Mas também podemos ter a Cathy. A Cathy também tem o mapa mental dela, criado pela experiência de vida dela. Só que não são apenas duas pessoas no mundo a ter o seu mapa mental. São todas as pessoas no mundo que têm o seu próprio mapa mental.
Aquilo que podemos verificar, até de forma empírica, é que pessoas que estão em determinados grupos sociais, grupos geográficos, grupos com determinados credos e valores, partilham de algumas perceções sobre o mundo (o mundo à sua volta e o mundo distante), mas essas pessoas têm inevitavelmente, cada uma, o seu mapa mental. Portanto, quando duas pessoas, ou mais, entram numa “discussão”, debate ou conversa de café, sobre um mesmo assunto, será mais do que expectável que tenham ideias diferentes sobre um mesmo assunto.
Contudo, naturalmente, podem partilhar alguns pontos em comum sobre aquela ideia. Será normal que isso aconteça, também. No entanto, uma pessoa com uma visão mais “fechada nas suas crenças” (não gosto da expressão, mas não encontrei melhor, agora) vai dizer que a sua posição é aquela e, em seguida, vai argumentar o porquê daquela posição. Esta pessoa não está errada na posição que está a tomar. De facto, para ela, o mundo é daquela forma. Ela, eventualmente, não consegue conceber a ideia de que a outra pessoa tenha experiências diferentes dela e, por isso, a visão de mundo dessa pessoa, será forçosamente diferente.
Por isso, por mais que tentemos explicar detalhadamente as nossas motivações para termos aquela opinião, ela nunca irá entender, totalmente. O máximo que a outra pessoa poderá fazer, é tentar construir uma imagem que ela considera o mais próximo possível daquilo que lhe estamos a transmitir. Só que essa imagem será sempre criada por ela. E, sendo criada por ela, é formulada, inevitavelmente, pelas experiências dela. Ou fortemente influenciada pelas experiências dela. O que significa que, num debate, é impossível que outra pessoa veja a verdade dos nossos argumentos. O máximo que essa pessoa poderá fazer é validar a lógica dos argumentos, com o ponto central da nossa visão sobre o assunto.
O que quer tudo isto dizer? Qualquer debate ou conversa de café (ou até mesmo uma crónica numa revista, ou um livro), essencialmente, trata-se de transmitir ideias ao outro, mais do que querer comprovar que a nossa ideia faz sentido. Nós também somos o outro, da outra pessoa. Aquilo que estamos a dizer, pode ser um absurdo para ela e, mesmo assim, estamos plenamente convictos que aquilo que estamos a dizer está certo e o que a outra pessoa está a dizer está, vá, não tão certo assim.
Talvez possamos pensar, a partir desta perspetiva, numa próxima conversa, se estamos a agir de uma forma a querer reforçar a nossa ideia ou se estamos a querer aprender outras formas de olhar para o mundo e de estar nele.
Eu posso usar mil argumentos para mostrar que aquilo que este texto que estou a escrever, faz todo o sentido e representa aquilo que acontece no comportamento humano, no entanto, não tenho dúvidas que outra pessoa, terá uma outra visão (não necessariamente que invalide esta) sobre esta problemática. Ambos podemos estar certos. Ou errados. Ou um certo e o outro errado. Enfim, teríamos de chamar a Filosofia, para entender melhor isso. Mas, essencialmente, mais importante do que entender quem tem razão ou quem não tem, é conhecer ideias. Entendimentos.
Um debate, essencialmente, deveria ser um simpósio de ideias. Se um debate for um mercado de ideias, então, aí sim, mais do que saber a verdade da ideia, importava a validade do argumento. Isto porque, quanto melhor for a argumentação, independentemente da sua verdade, melhor será vendida ou, inversamente, mais vontade desperta para ser “comprada”. Aquilo que eu digo, num mercado de ideias, pode ser uma perfeita estupidez. Mas se os meus argumentos forem bons e coesos, mesmo a ideia sendo estúpida, terá fortes possibilidades de ser vendida/comprada.
Não é à toa que um livro tem sucesso, ou não, pela forma como é escrito, estruturado e editado. A sua capa e o marketing à volta dele, podem ajudar a vender um livro onde o sumo tem pouco açúcar. Eventualmente, pelo outro lado, já conhecemos tão bem a linha de escrita e pensamento do autor, que já nem queremos saber da capa. Só queremos comprar.
Voltando à problemática, é por isto que a tentativa de debates online, essencialmente nas redes sociais, por mais que possam ser açúcar para o ego, no fundo, são um perfeito desperdício de tempo. E contra mim falo, porque também sinto necessidade de açúcar, mais do que gosto de admitir.
As pessoas, nas redes sociais, não estão interessadas na verdade do que é dito. Nem tão pouco na validade do que é dito.
Essencialmente, querem açúcar.