As ondas mediáticas são interessantes para se refletir sobre assuntos que, geralmente, estão em suspenso. Estão lá, todos nós os vemos, mas não é assunto naquele momento.
O famoso caso jurídico que opõe “Ojanjos” a Joana Marques, bem como o caso do humorista brasileiro Leo Lins, fizeram-me refletir sobre certas questões do humor. Neste caso, não nos limites do humor, nem naquilo que o humor é mas, acima de tudo, fizeram-me auto refletir sobre o que me faz rir e qual o meu “humorómetro”.
Não quero fazer questão de maçar o leitor, portanto, vou já ao final: rio-me com pouca coisa e o meu “humorómetro” anda quase sempre no frio. Mas, geralmente, quando é ativado, costuma ter picos brutais para os lados do quentinho. Rebenta a escala, portanto. E agora, ao início, sem rodeios… Enquanto pessoa que se dedica à filosofia, começo sempre pela interrogação. Neste caso: “é possível que essa alegada (na intenção) piada não tenha piada para mim? Se sim, porquê? Se não, porquê?”
É possível… Reformulo: será que hoje a força da sociedade para o riso é tanta que não rir de uma piada é mal visto e motivo de chacota?
Vi várias “reviews” ao caso de Leo Lins e críticas do “caso Anjos vs Joana Marques” por parte de humoristas consagrados na praça pública portuguesa (e não apenas)1. Confesso que fiquei um pouco, digamos, assustado com o discurso.
Ao que parece, se é piada – se eles, humoristas profissionais – dizem que o que escreveram ou disseram é para rir, eu tenho de rir. Porque se eu não rir, no entendimento deles e dos que os apreciam, sou um bicho com falta de sentido de humor. E, se tenho falta de sentido de humor, sou um tipo sério, que se leva demasiado a sério, que não sabe descontrair, etc. Basicamente, tenho setas apontadas para mim que dizem “Epá, tu não és fixe, cala-te! Ri-te, pá.” Rio-me, pá? Porquê? Porque tenho de ir mijar, se não tenho vontade de ir mijar? Quem tiver vontade de ir mijar é que deve ir mijar. E é com esses que o humorista, ao fazer a piada, quer dialogar. É a esses que o humorista quer ver a mijar. Parece que começa a haver uma certa impossibilidade de, perante algo que é feito com o intuito humorístico, não surtir esse efeito no sujeito. E, eventualmente, parece que este não tem o direito a sentir-se ofendido (com uma piada a si dirigida). Não ter achado piada a algumas anedotas não é não ter sentido de humor. É, simplesmente, pasme-se, não achar piada àquela em específico. Os outros acharam? Epá, riam-se! Riam-se, tanto quanto acharem! Simplesmente, se eu não achei, posso não me rir? E se, eventualmente, numa piada dirigida a mim eu me sentir ofendido, posso contestar judicialmente? Parece-me que sim. E não apenas me parece. Eu tenho mesmo o direito legal e democrático de o fazer. Como em qualquer outra situação, eu tenho esse direito. Há algumas pessoas que vão achar isso uma estupidez? Claro que sim. E têm esse direito. Em última análise, discute-se juridicamente o direito da liberdade de expressão com o direito à ofensa. E, a partir daqui, entramos noutro patamar da discussão. Que não é o que me importa agora falar.
Várias vezes vejo aqueles vídeos aleatórios no Facebook, onde me rio à brava com as peripécias dos animais. E garanto-vos, mijo-me a rir com aquilo. Descontroladamente, por vezes. Mas tenho uma considerável dificuldade em rir-me de piadas de humoristas (e pessoas no geral). Não tenho absolutamente nada contra eles. É só que há qualquer coisa ali que já não me faz rir. Sinto que aquilo que me faz rir está ali num espectro muito específico, tanto na sua forma como no conteúdo. No entanto, confesso que Bruno Nogueira (as suas piadas e sketches) ainda me faz rir muito.
Aquilo que sinto é que os humoristas se esforçam muito para ter piada. E quando há esforço para fazer rir, não tem piada. Acredito que todos nós temos várias coisas e vários padrões de circunstância que nos fazem rir. Quando alguém faz piadas com situações que não nos são humorísticas, e não nos rimos, lá vêm as brigadas do sentido de humor dizer “Este não tem sentido de humor, pobre homem!”. Talvez, apenas talvez, não me consigam fazer rir com as suas piadas. Mesmo que o resto da plateia tenha rido. E não sou eu que sou a ovelha negra. Apenas não me “bateu” a mim. Sou menos por isso? É que, talvez, na próxima, ninguém se ri e eu rio-me até me mijar. E agora, são os outros as ovelhas negras ou sou eu? Desculpem, exaltei-me. Isto toca-me na bexiga!
Leo Lins disse, num vídeo seu publicado nos seus perfis das redes sociais, que os humoristas em palco (e não só) estão em persona humorística. Até entendo e consigo, perfeitamente, distinguir a pessoa que corresponde à tentativa de criar o riso na plateia do indivíduo fora desse trabalho, removido do palco.
Só que eu posso ir ver um espetáculo humorístico e, simplesmente, algumas vezes não me rir. Eu posso ir ver um espetáculo de um humorista de que goste muito e não me rir em várias piadas. E está tudo bem.
Eu gosto de pizza, e não me apetece sempre pizza.
Dá-me vontade de rir (aqui num sentido mais sarcástico), que haja agora uma espécie de onda que sugere que, se é piada, se foi feito para rir, então é obrigatório fazê-lo. Porque, se não rimos, temos falta de sentido de humor. Ao que parece, hoje em dia não ter sentido de humor é motivo de exclusão social.
A única coisa que tenho a dizer sobre esta última frase que escrevi, uma espécie de meta-reflexão, é: isto é para rir? É que eu não achei piada. Nenhuma.
Aquilo que, quanto a mim, parece-me importante, não é quem tem razão, se o humorista ou o “humorizado”, mas o embate de duas liberdades: a de expressão (de fazer humor) e de se sentir ofendido (com o humor feito a meu respeito). Defenderei sempre que um humorista tem a liberdade para fazer o seu trabalho humorístico (independentemente da reação que isso vai causar no público) e, ao mesmo tempo, defenderei sempre que uma pessoa que se sinta ofendida com isso, coloque a situação nas mãos da justiça. Este é, quanto a mim, um dos principais princípios democráticos, em que duas situações tenham a liberdade de ser discutidas. Pouco me importam os valores envolvidos pelos queixosos, o juízo de valor envolvido na situação. Importa-me, acima de tudo, a discussão ética do assunto.
Para finalizar, parece-me até importantíssimo que esta situação tenha acontecido para se discutir ângulos diferentes no que toca ao humor. Acredito que, apesar de tudo, isto veio levantar debates de uma forma mais séria sobre a “brincadeira”. E que brincadeira….
Referências bibliográficas:
- Carvalho, G., & Fox, N. (2025, 9 de Junho). Ricardo Araújo Pereira critica condenação de Léo Lins: “oito anos por piadas é impensável.” Expresso. Disponível em: https://expresso.pt/podcasts/humor-a-primeira-vista/2025-06-09-ricardo-araujo-pereira-critica-condenacao-de-leo-lins-oito-anos-por-piadas-e-impensavel-17851385 ↩︎